NEW HOPE FOR THE WRETCHED
por Jesús Cortés


(Merde). 2008. Comme des Cinémas/Kansai Telecasting Corporation/Bitters End/Sponge/arte France Cinéma/Coin Film/WDR - Arte/Backup Films/Wild Bunch/Champion Top Investment/VAP/Hakuhodo DY Media Partners/WoWow/Asahi National Broadcasting Company/Picnic (39 minutos). Produção: Anne Pernod-Sawada, Masamichi Sawada, Michiko Yoshitake. Produção executiva: Kenzô Horikoshi. Produtor associado: Lewis Kim. Co-produção: Yuji Sadai, David Cho, Eunun Cho, Akihito Kimura, Michel Reilhac, Rémi Burah, Herbert Schwering, Alexander Wesemann. Roteiro: Leos Carax. Fotografia: Caroline Champetier (cor). Música: Lee Byung-woo. Cenografia: Mitsuo Harada. Montagem: Nelly Quettier. Elenco: Denis Lavant (Merde), Jean-François Balmer (Maître Voland), Renji Ishibashi (Advogado-Geral), Toshiyuki Kitami (procurador), Kyûsaku Shimada (diretor da prisão), Azusa Takehana (a apresentadora de TV), KaoRi (intérprete de Voland 1), Julie Dreyfus (intérprete de Voland 2), Kenji Kodama (presidente do tribunal), Kaohiko Kaoda (o apresentador de TV), Toshiko Murakami, Nao Nekota, Kasumi Irifune, Yoshiko Matsuda, Kaneko Kubota, Yui Iizuka, Noa Kataoka, Masaki Ide, Edith Le Merdy, Eiji Kawachi, Masaya Takahashi, Andrée Darmant, Tae Kurokawa, Toshihiko Hino, Toshiki Sakoh, Natsumi Kiyoura, Shuko Ito, Kyoko Maruyama, Aoi Nakabeppu.

Em 2008, apenas alguns meses antes do falecimento do protagonista do que havia sido seu último filme, Pola X, Guillaume Depardieu, que ampliava o círculo de desgraças em torno de seu nome (recentemente seguiu-lhe sua companheira Yekaterina Golubeva) e, apesar de fazer dois anos que havia filmado o curta de, parecia, premonitório título, My Last Minute - onde de todas as formas recordava a todos que somente ele decidia quando ia se calar e podia intuir-se que, com a consolidação de novos formatos e meios para fazer um filme, não custará a se acostumar - retorna dos ex-garotos prodígios mortos Leos Carax, para ficar atrás de uma câmera.

Pola X, esse desdobramento industrial e incestuoso do monumental Os Amantes de Pont-Neuf, que nem os fãs de Scott Walker gostaram (nem os de Bowie, por mais aroma de Lodger que o percorresse, mudando a impressão do Duque Blanco presente em seu cinema desde Boy Meets Girl), tão fácil e equivocamente assimilável ao cinema de seu elusivo e prestigiado amigo Sharunas Bartas, havia sido contudo atacado criticamente logo depois de estrear, enterrando qualquer possibilidade de devolver a confiança que já havia perdido “oficialmente” oito anos antes quando filmou a película de sua vida.

Retorna Carax com o média-metragem Merde, a peça central de Tokyo!, um absurdo filme coletivo no qual o flanqueiam, ironicamente depois de todas as insensatezes que disseram dele, dois genuínos hypes de uma década que já não parecia ser a sua.

E não começa pedindo exatamente permissão para que o deixem voltar ao regaço ou provar pela primeira vez o sabor do corporativismo, de joelhos frente à cidade que lhe dá a oportunidade de regressar, mas com uma intrigante panorâmica que abre expectativas de que algo assustador está a ponto de acontecer na megalópole, como nos filmes de Godzilla antes da mutação, vendido ao vil iene, em monstro cívico.

Monsieur Merde, ao invés disso, saindo dos esgotos para comer crisântemos e bilhetes ou atirar granadas de mão nos transeuntes, um fantasma da ópera que vive rodeado dos restos da guerra que os japoneses esqueceram que perderam (e nesse sentido quase um antagonista do espírito pelo qual se tornou popular o gigante kaiju), os detesta por tudo que são e não tem educação nem a terá jamais.

Reflexo negativo da passividade e da ordem, reencarnação do prisioneiro de O Enforcamento de Oshima - a que venha no último plano como compensação -, esta criatura é um involuntário herói punk. Sem mistério, apesar de parecer um irmão “descentralizado” de HeWhoCannotBeNamed, sem que lhe divirta ser como é, por mais que recorde aquele Keith Moon que se disfarçava de oficial nazista para percorrer os bairros judeus, nada complexado, caso queira assimilar a uma versão disforme de Ren Honjô, e parece astuto e muito consciente do que faz, nada a ver com o encantador G. G. Allin.

Um ser que deve muito mais ao Opale de Renoir que a The Toxic Avenger, meio século de anarquismo kamikaze que detona sem compaixão.

Carax, tão em forma que parece não ceder a nada, ajeita-se com um baixo orçamento à base de imaginação e senso de humor. E com um leque de recursos admirável.

Filma, por exemplo, em um quadro fechado prodigioso, as cenas das explosões sem um efeito especial, em um único travelling, parecendo que toda a cidade estremece debaixo de seus pés. Por outro lado, esmiúça o julgamento ao qual Merde é submetido, dividindo a tela em três ou quatro partes para concentrar a ação ou, quando é necessário, amplificando-a com o simples recurso de multiplicar a visão do pesadelo, escrutada por milhares de olhos atônitos.

As ruas, refúgio desses desajustados do século XIX roídos pela doença que povoam seus filmes, que se lançavam a elas em busca de uma vida, desta vez servem a Carax como cena de uma vingança, uma revolução niilista, talvez porque é seu único filme sem um casal, sem uma razão para buscar algum tipo de equilíbrio.

Livre de afetos, Merde, alegremente indestrutível, corolário - finalmente um provocador, devolvendo a censura aos queixosos e detratores envolta em dinamite - aos chaplinescos personagens instados pela noite interpretados por Denis Lavant, nas anteriores Sangue Ruim e Os Amantes de Pont-Neuf, não necessita dessas ruas para outra coisa que não seja buscar e destruir.

(Traduzido por Amanda Vidal)

 

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