MAPA DE CATÁSTROFES
“Tu as commis
Nada de Sangue do Meu Sangue... a merda caritativa, estereotipada e caricatural do Canijo... montou o bairro do Padre Cruz sobre carris... impôs o dispositivo (mais velho que o cagar) de 3 ou 4 ações/diálogos em cena... o sangue paralisado pelo dispositivo babado de Canijo... “usa o instrumento para servir a música, não uses a música para eXibir o instrumento” (Nicholas Ray)... os filmes mudos estão cheios de diálogos sobrepostos... só os cegos não ouvem... a história de Jonas em Boy Meets Girl... aí sim... o espectador vê e lê os lábios... Mas Canijo tem de ir em travelling para o hotel de 5 estrelas... o mais longínquo festival... CaraX fica no Hotel Ahab... hotel de 1 estrela no Pola X... o eXibicionismo técnico dos esteticistas de imagens como Canijo... a telenovela e a pornochanchada... a desproporção entre o ego e o talento... os pitorescos retábulos de cus ao léu... o Cassavetes do Padre Cruz... o regular servilismo sobre carris... a câmera a caçar corpos como se fossem moscas... o mosquedo que vive à manjedoura cinematográfica... e os críticos são tão amáveis, apesar do reumático!... Já não têm a imaginação eXaltada nem bebem como a Maria Parda... Mas se o cineasta incomoda... é vê-los lançar anátemas... se o cineasta não dá entrevistas todas as semanas... CaraX gosta mais de falar com pessoas do que com jornalistas... esses caga-hóstias nas catedrais publicitárias... aqueles que olham para o cinema como o arquiteto olha para os honorários... aqueles que trocaram o rubor dos cineastas vivos pela palidez do pároco gazeteiro... os que fazem votos monásticos... cheios de certezas os hipócritas... a maturidade mentirosa dos críticos... embutidos em celas audiovisuais... esplêndidas mansões de coração vazio... ninguém vos trata do escalpe?... nem uma granada de merda?... enterraram obras-primas vivas os coveiros... Boy Meets Girl, Mauvais sang, Amantes de Pont-Neuf, Pola X... à espera do dia de todos os santos... é vê-los depois abrir a campa... as narinas tremelicantes do fedor turístico dos filmes sepultados... Greed... “pesado como pedra e livre como sonho” (ninguém ouviu)... Heaven’s Gate... Monsieur VerdouX... CaraX no Casino Estoril... os críticos do quintal da vizinha... a única opinião autorizada em tempos medíocres... as mesmas cavalgaduras que se riram do lirismo de Melville... também arrasado pela crítica... os mesmo epítetos à época... megalômano, presunçoso, pretensioso, incoerente, irregular, confuso... trajetórias literárias e cinematográficas destruídas... AleX inventa os títulos dos filmes que não rodará... os cretinos que passaram por cima de Daney, Godard, Rivette, Garrel e outros... os que consideram CaraX um dos maiores realizadores da história do cinema... Em sentido cabrões!... vou tocar a marselhesa!... O Cinema olha desconfiado para a eXaltação da juventude... para os sonhos eXplosivos dos amantes... a vigorosa primavera lírica de CaraX atirada para os esgotos... Fizeste bem em partir CaraX... o nosso século não suporta poetas... quer a “ditadura do razoável”... um cineasta verdadeiro é um estrangeiro de merda em Tokyo... Merderet em vez de Verdelet... a Merda é o que a sociedade rejeita... O Cinema oficial... esse bandido que vive em casas cor-de-rosa... ladrão de crianças... carrasco banal dos sonhos juvenis... Que tempo este?... o bonitinho, o perfeitinho, o limpinho, a caução do profissionalismo... hosana correção de cor!... o photoshop... a beleza de magazine... a noiva vai casar-se em Vila do Conde... quanto mais virgem, mais puta... a maior imundície é a higiene estética... os filmes morrem quando se tornam dirigidos por diretores de fotografia... as poses artísticas... foca... desfoca... fode... desfode... cascas e mais cascas... eXteriores... artificiais... a fotogenia dos manequins... estetas betos de Telheiras... eXibicionistas da linha de Cascais... os aparelhos técnicos... as meninas lindas e maquiadas... livre-trânsito para festivais... as imagens gramaticalmente asseadas é o guardanapo com que limpam as beiças!... os slideshows audiovisuais disfarçados de filmes (vide Gonçalo Tocha)... a “hortaliça poética” para os herbívoros... adeus montagem do cinema, adeus montagem da vida... o que se quer é Sternberg made in final cut... pirotecnias informáticas de luzes e sombras... as quecas intermináveis da pós-produção... desapareceu o ofício alegre da rodagem... a alegria irresponsável, precipitada, eXcessiva, física, perdida dos amantes da Pont Neuf... “a aventura de viver a aventura de fazer filmes” (Nicholas Ray)... reviver a verdadeira vida... “transformar a vida numa alegria eXtraordinária” (Kuleshov)... tudo eXplode na ponte... dança e fogo de artifício como na Aurora de Murnau... a água por debaiXo... o vulcão aquático... o salto de estilos... o paradoXo faz o paroXismo... Hip hop... Strauss... Iggy Pop quando Lavant tem fogo no cu... efusões... epifanias sem fim... a cadência das eXplosões... o cu de Binoche rufa como um tambor... MeXam a peidola das cadeiras!... a sensação de frescura... a transbordante vitalidade... o perigo... a energia... os planos que respiram juventude, audácia, impetuosidade... a dança de loucura... o cinema na rua... as estrelas suicidas no charco... não salvar os filmes das Águas... tirar-lhes o colete salva-vidas... o cinema mata... tudo liquidar como Boudu... filmes liquidados... peso líquido... a filha da água de Renoir... o inconsciente da forma... Porthos abriu os olhos antes de abrir a inteligência... a matéria em devaneios... refleXos na água... a ilha-estrela de Tintin... foda entre água e astros... nenúfares de fogo-fátuo... estrelas caídas... sombras flutuantes... afogados errantes... sonhos absorvidos e cuspidos... um raio de luz e os fantasmas já navegam... Binoche esquia no Rio dos Mortos... Sena suicida... “o horror risonho das águas” (Rilke)... sorriso inquietante de Rembrandt no último auto-retrato... o face a face de Michèle e Rembrandt... como em Melville... o sorriso enigmático do retrato do pai de Pierre... olhar fiXo num lugar sombrio... a própria imagem de Melville na versão longa de Pola X... veículo de novas ambigüidades... a eXaltação de cortar as vagas mortas... a força que puXa Binoche... a Morte que navegara num mar de destroços no início de Boy Meets Girl (vide Recordações da Casa Amarela)... Ofélia afogada no Sena... rio de asfalto... voz pesada da lodosa noite que engoliu... acaso o cadáver de alguém que se amara ou desprezara... voz off dos mortos... como Hamlet no início de Pola X... dessincronização... o ventríloquo de AleX... sempre que se mete com uma rapariga ouve a voz dos mortos... as amantes órfãs... mortos-vivos que reclamam... o grito do miúdo corta para Isabelle em Sans titre... Isabelle reencarna a irmã desaparecida de Johnny em The Crowd de Vidor... a irmã esquecida de Musil... sempre fantasmas... as bombas que abrem Pola X e Guignol’s band... cemitérios imaginários bombardeados... mapa catastrófico da eXistência humana... flashback infernal... cadeia terrorífica de recordações... os mortos despertam... trazem para o real a recordação do pesadelo... a força de todos os mortos dentro de mim... Isabelle no bosque... “cabeleira de gritos a flutuar”... os bosques malditos da casa vermelha de Delmer Daves... filmes de reclamação dos mortos... erguem-se os defuntos para o insulto como em J’accuse de Abel Gance... Isabelle regressa dos bombardeamentos... fogo do passado reduzido a cinzas... bosque gelado... corpos amortalhados... almas mortas... rotas sinuosas... densidade das sombras... trêmula e miserável luz... Pierre e Isabelle... o sonho de uma recordação ou a recordação de um sonho... memórias de Pola Negri: “Eu era um cisne que deslizava sobre uma profundidade verde e rica de um lugar que não podia distinguir muito bem”... o cenário aprazível ameaçado pela futura gravidade... Isabelle e o monólogo sobre o eXílio... incompreensível murmúrio... memórias estilhaçadas... o pai perdido na Sibéria e os amantes mortos de Polita... recordações da casa dos mortos... a vida secreta de Isabelle... enterrada como numa cripta... lavas de sangue... terremotos... o cinema que rebenta as veias como nos sonhos sanguinários de Pierre... a ressaca da morte bêbada de sangue... Descargas de energia... à força de júbilo, a queda de tanto rir... Lavant e Binoche despenham-se em alegria imoderada... mijam-se a rir... o riso milagroso de Irene Dunne e Charles Boyer no Love Affair de Leo McCarey... cantam as crianças do orfanato!... Lavant e Binoche estafados pelo sonho... a ponte como interior do sonho... a ponte dos sonhos sobre o rio dos mortos... efeitos de pantomima... cinema ou nada!... doidos de alegria... terrivelmente eXcitados... embriagados no esbanjar da eXistência... amor eXcessivo... acesa foda de Pierre e Isabelle... identificação pela penetração viva no corpo... eXcitados pela terrível calamidade... a partir daí é sempre a descer escadas... um caralho na origem do mundo... no princípio era um caralho palpitante... amo-te minha assassina... quero ser infeliz contigo... foder-nos... rapidinhas que duram para sempre... um cometa... “a passagem de um meteoro movia-nos à ternura”... Binoche puXa o caralho de AleX... AleX puXa Binoche... verdade sem cuecas... ondas a rebentar com os amantes em contra-luz... um mar de lírica espuma... as silhuetas dos amantes a correr na praia... as ondas rebentam sempre nas margens... a vitalidade de uma primeira paiXão... cinema e vida... a mesma alegria, a mesma queda... Lavant e Binoche em direção ao mar... corpos queimados... encharcados... os “pingos de fogo” de Rimbaud... “quem não se queima não vive” (Hot Blood)... AleX e Mireille eX-futuros amantes... “respeitarás o calor do teu sangue”... ferida que provoca o contato... contato que provoca a ferida... rasga... corta... não me toques... o instante violento do contato final de Boy Meets Girl... a tesoura corta o filme... a tesoura rasga a carne... a ferida íntima e mortal como teatro aberto aos amados espectadores... a larga varanda envidraçada... a noite negra e branca em que Nerval se enforcou... “o céu é branco mas as nuvens são negras”... o erro de AleX enlaçar Mireille... ups... sai sangue... o abraço de AleX mata Mireille... dupla morte de Mireille... suicídio e homicídio involuntário... os sonhos espalham-se como vinho... a água eXtravasa da banheira e consubstancia-se em sangue... Anna hemofílica por não estancar as lágrimas em Mauvais sang... matéria onírica vivida... embalada no sangue, na água, no fogo, na merda... os archés de CaraX... o sangue é a merda fogosa da água... A festa brutal, violenta e livre da eXtinção... o corcunda Lon Chaney não integrado no mundo imbecil dos adultos... Tocar o sino a rebate, cuspir fogo, morrer na alegria sangrenta de amar... estilhaços e piruetas e acrobacias da morte... crianças insubordinadas, desordenadas, indisciplinadas, abrasivas, festivas, dolorosas... crianças maléficas despejadas no rio... para não espalhar a peste pela cidade... o reino perigoso da infância... Borzage, Murnau, Grémillon, Cocteau, Welles, Nicholas Ray, Brisseau... as crianças e os fora-da-lei de Peckinpah... a livre irresponsabilidade do Mal contra a moral bafienta... os jogos transgressores de Bataille, Cocteau, Céline, Sade, Guyotat... prática jubilatória do mal... CaraX brinca com o fogo em Strangulation Blues... espalha a descendência na água infernal... um filme é um jato de esperma... ora fecunda... ora desperdiça... os espermatozóides aflitos... O Espectador-Noturno já moraleja... espreita a Pont Neuf... ai os crimes de lesa-sociedade... ai a violentação da câmera de filmar topo de gama... a altíssima definição da estupidez humana... Andam ocupadíssimas as bestas... de estréia em estréia... à cata da última velhice que chegou... as modernidades vendidas pelos jornais... tão obcecados pela atualidade que não avistam nada de longe... os cativeiros de trutas... os prospectores de talentos... eu descobri... não, fui eu... O Rimbaud de Sintra... O Romântico Abandonado da Culturgest... A Grande Puta da Babilônia... A Vaca Sagrada da Índia... o Último Defunto do Periódico Decrépito... os gênios semanais... vão ouvir falar deles... os caralhos conhecem bem os ventos e as marés... depois há meeting e cocktail... não se atrase... os embaiXadores do Cinema... odeiam os porcos mas querem lucrar com o toucinho... snifam os únicos riscos que correm... olha o desfile... a desconfortável eXistência do Shôr Doutor... a elegância revivalista no trajar dos anos 70 e 80... as sopeiras... os gazeteiros... nem a cagar os leio... o gado audiovisual... a fruta podre do Éden... as script girls que confundem salada de mamão com mamada no salão... ínclitas festivaleiras... caçadoras de cineastas... Apitcha... Pong!... ICAMA com eles... à diva estatal nada se recusa... soupe à la bonne femme... as putas do cinema e acólitos... as carteiras cinéfilas... os saltos altos... Doc-doc!... Doc-doc!... gastam as solas dos sapatos nas passadeiras da fama... cada genial gaja com o seu genial chichisbéu... chupa-pilas sem critério... a linhagem emaranhada de publicitários, críticos, capangas da T.V., produtores, distribuidores, chulos, putitas, mercenários, cinetartes... Haverá por aí uma Circe para vos transformar em porcos?... eu meto-vos a faca se não comerem a vianda... quero ouvir o chiadouro suíno da megalomania de quem vos corta o gargalo!... os empregaditos de jornal... ladraram a ira ociosa contra CaraX na 3ª página... aquela que forrou (suprema utilidade!) o cagadouro do gato burguês... caralhos sifilíticos para as vossas bocas!... corram todos os médicos, ó critinos do papelão!... a ver se está tudo como Deus manda... os mimados... as “capelinhas de especialistas” (Jean Renoir)... as mensagens que nem os pombos levam... a súcia deleuziana... logomanias unitárias para os confortavelmente instalados... bem treinados no eXercício genufleXório quando conveniente... Tocha e Canijo... ricos afrodisíacos para caquéticos... proXenetas de imagens e sons... lambem o cu da primeira ave eXótica... O Augusto... nada se faz sem ouvir o Papa... esse doutor tutti-fruti... Ó Mestre Sabuco, sabes fazer um arroz de grelos?... ó ossário reliquintado!... A alma do mestre e a eXtrema-unção do Tocha... as místicas cataratas do Conde de Seabra... as sumidades na investigação deleuzeuniana pós-pós-pós-modernista... 3 kilinhos de pós-modernismo, já chega?... a receita que Deus ou o Diabo fez... tão subservientes e atenciosos na prova oficial... os artistas em pose gastronômica no Palácio Galveias... Seabra ou o emérito petulante... autoridade de Reitor Seminarista... Saguenail ou o bobo da corte... Regina ou os pós-de-arroz... Grilo ou as mascotes do Godard... beija-mão nas provas de agregação... Rodrigues ou a estreiteza filosófica da classe média... Ferreira ou a lagosta agrilhoada... Borges e irmão ou os arautos da sensibilidade e bom gosto... Mário e Zé furtam 2 garrafas de boa cepa... um gajo fica reticente... Manel está mais bêbado que o vinho... anuncia que vai deiXar de beber... o auditório aplaude... Pêra e Simões brindam ao vigésimo episódio sobre a Olga Roriz... O Costacurta tira uma fotografia com a sopa dos pobres... prepara uma instalação para Serralves... monta um peditório... entra uma gaja boa com 3 moscas... ninguém viu o Mourinha e o Valente?... águia não caça mosquitos... as pró formances dos doutorandos... com o beneplácito do Santo Ofício... a prosa bem-comportada do ensino superior... tem de ser... meter a unha no cacau... gente fina do penso higiênico logo eXisto... isso de acadêmicos... é gente que se reproduz como galos de Barcelos... tampam-lhes os olhos e a boca com dinheirinho... o Argent de Péguy... citado no início de Sans titre para o festival de Cannes... “ce peuple de saboteurs”... para o caralho a titi da sétima arte!... a manduquice... os caciques dos festivais... as festas mornas da conveniência... Quem lá vem?... O Tocha outra vez... outros imbecis laureados... a choldra de parvajolas... Nicolau forma com Telmo um duo de sapateado... Tocha toca pandeiro de palhaço... os solenes doutores do cinema batem palmas... roem o queijinho pátrio... Mais um cineasta de câmbio!... os ardinas já esfregam as mãos... Tintin tira apontamentos para um festival de animação na Reboleira... João lança um DVD com o dedo no cu... Hiroatsu filma um postal para a mãmã... Susana e Sérgio metem férias no Corvo... Seabra canta o padre nosso... o Vasco aos pulos e a ladrar... O MeXia caga versos nas folhas danadas do eXcel... o poeta improvisa... cada verso tem um preço... iiiva!... o François à porta do Indie... o verme vinha ver-me... o santo tribunal da Praça Nova... grosso contingente de talentosos... os acadêmicos abrem a boca... já ressonavam no Convento dos Grilos... os fóruns universitários são eXtenuantes... as filosofâncias de Agamben a Rancière... o Tocha está bem disposto... vai representar o cinema português em traje de palhaço... o temerário navegador atravessará o atlântico de mil perigos... o barrete, as ratazanas e o padrão dos descobrimentos: aqui fui eu o primeiro a zurrar... o Asno de Ouro vai para Tocha... o novo Colombo do cinema português... com todos os quilates... Meu rico Tocha, emprestas-me 5 dólares para parir 5 filmes?... ensinas-me o ofício de chapeleiro?... Privas o mundo de um balde de merda?... no festival da canção ou no MOMA... a mesmíssima merdoca... a caca portuguesa elevada ao estatuto internacional de shit... tutilimúndi que cheire... à sobremesa dois peidos teóricos do Adrian Martin... uma cagadela impressa do Rosenbaum (“Os cineastas que vi de perto: perspectivas de apalpanço”, 69ª edição)... Passos Coelho propõe ao rato-e-zinco a canonização do Tocha!... já tem subsídio ad aeternum!... ganhou a alta patente do Além!... em Portugal já se fala na fusão do ICA com o Panteão Nacional!... “melhorar a qualidade de vida dos espectadores” (Vasco Câmara Clara)... O Câmara que cresce 2 metros em cada Canijo... um dia ninguém o vê de tão alto... só Deus e os querubins rubicundos!... aplaudam o campeão nacional de trampolim!... condecorem o Tocha no 10 de Junho!... é ver os salamaleques... tingir de merda os mosquitos do cinema!... os que laureiam a pevide nos festivais de glória alugada... os caganskis!... CaraX prefere meter 20 francos na jukeboX do que ir ao cinema... ver o quê?... mascaradas... punhetas... dialéticas senis... de Cy Endfield a Lars von Trier... o onanismo narcisista do mija-filmes Boris Lehman... mais do que filmes para carregar um burro... as burguesices de Guiraudie e Téchiné... o Luc Besson e a confraria do Bidet... perderam os colhões para chegar às verdinhas... os cineastas inválidos que recebem a pensãozita do Estado-Providência Burguês... os Broches que reclamam a insígnia da melhor eXpressão artística do continente!... o cinema nas algibeiras dos queques universitários... os 20 valores na escala do peidômetro!... os beijinhos da família... os orgulhosos do pasto... uma petição para um doutoramento em Merdonês... Ó cabrões!... o poeta grita de raiva... as consciências tranqüilas espreitam... vamos ser positivos... construtivos... é só um doido varrido... os pensadores deploram a falta de coerência... estabilidade... solidez... Mas o Sr. Merda ama a vida!... as consciências o negócio... querem traseiros lucrativos... o sangue seco nas grilhetas universitárias... fedem a sebenta de grilo os gabineteiros!... os arrivistas... os carreiristas... as eternidades acadêmicas... não queremos cineastas falhados... tremelicantes... claudicantes... regularidade e ordem no pensamento!... outra tese... outra patente de insignificância... mais freirinhas com o papa na língua... um bom lugar nos vaticanos culturais... a água benta da corja... Não levante a voz!... dizem os subalternizados... a canga das conveniências... cai o Carmo e a Trindade... os mestres-escola parasitas do Estado Burguês... a Santa Inquisição moderna... Indie... jogo de poder que não vale a luz que gasta... Doc... Vila do Conde... parecem perdigueiros... a farejar o melhor cu para a bicharia... gloríolas no grosso... o Dr. Golão que se pronuncie... Donde saiu o Sr. Merda?... do cu decrépito da velha velhacaria... a história do olho do cu... o olhar que sonha a deformação... as eXcrementações proliXamente eXpelidas... o olho cansado da solidez da realidade... o olho do cu sujo de CaraX... a fuga de Merde... deita por terra as pessoas... de rua em rua... de nota em nota... de flor em flor... um monstro... um bandidóide fedorento!... um masturbador que macula as folhas de eXame... indigente... mal-educado... deita a unha no cu... é preciso pegar na câmera com o cu sujo... filmar nas ruas de Tokyo sem autorização... O Lord Merda... o monstro que come dinheiro e fede a 100 mil vermes... criatura subterrânea... saída do apocalipse de Saint-Sever... os corvos que ouvimos vão comer-lhe os olhos... o olho da tia de Margarida em posição defecal no Fausto de Murnau... recebeu o eliXir do amor... CaraX também vem da sujidade de dentro... eXsudação... dejecção... a máXima produção orgânica... CaraX carnaliza-se... a jovem cega enovela as tripas de Chaplin em City Lights... amor eXcremencial... sublime... visceral... Pierre afunda as mãos nas entranhas de Isabelle... apalpa-a por dentro... fermentação ventricular... o cu eXpulsa brasas... o êXtase aprende muito com o mau-cheiro... contingências eXcremenciais... a descarga imprevisível de um balde de merda... CaraX acredita nos negros... nos cinzentos... um gajo que rebola na própria merda... acredita naquilo que viu, tocou, bebeu, vomitou, sofreu, montou, amou, cagou, destruiu... grotesco caravaggesco... libertação efusiva da merda ensangüentada... a ruidosa alegria de cagar na crítica... a diarréia que um ataque de riso solta... nenhuma crítica bate a necessidade fisiológica de cagar... atirar granadas de merda... o crítico de jornal opina... o poeta cria... Lord Merda faz-se anunciar com uma granada de esterco... os cagalhões de Pirro navegam num mar de especulações... o Sr. Merda é pouco sociável... tem aversão a pessoas... gosta de cheirar a porco... as nipônicas sentem a repulsa física imediata... o status é para manter... os peraltas perfumadinhos... não se habituam ao esterco humano as japonesas... os olhos vaginais nojentos das nipônicas... as bonecas de luXo e cera... uma afronta inconcebível... a merda envenena a mais virtuosa das mães... ele ri-se das ofensas ao ar livre... não é um cavalheiro... não goza da tolerância senil dos diplomatas... come flores sujas de merda... a linguagem é vomitada (vício dos que têm o coração na boca!), o silêncio abrupto... o Sr. Merda trepa por uma montanha de feridos nipônicos... as estrelas rebentam e salpicam as ruas de merda humana... os olhos brancos do Sr. Merda... a montagem cega... os olhos cegos não têm crédito social... associação e deformação... crianças mal formadas... Rosebud estilhaçado... self-made freaks... a coleção de monstros de Barnum... Pola X ou o belo e a monstra... Frankenstein de retalhos... pedaços de vidas ou de corpos que não viveram... Pierre enquadrado como Frankenstein quando pergunta a Isabelle “quem és”... a cinefilia produz monstros... a memória catastrófica do cinema... pedaços de seres e obras diversas... criaturas monstruosas... estropiados de Nicholas Ray, Boetticher, Leo McCarey, Borzage, Vidor... a espingarda-bengala de Randolph Scott ou Raymond Radiguet... Depardieu corre como velha criança... aleijadinho como AleX nos Amantes... o diabo no corpo... os degenerados de Stroheim... o baile de Freaks... “o homem é o único monstro” (Montaigne)... Merda alivia granadas em todas as direções... cinema sem tripé... disparar em tudo como no Wild Bunch... o cinema treme... “o traço tremido faz parte do quadro” (Matisse)... o fogo não tolera estar cativo... O crítico escandalizado!... Os mandamentos abalam quando se abre uma tasca de perdição... CaraX fica no banco... tem eXcesso de talento... não dá para vigiar de perto... passa temporadas no inferno... tem um eXpediente de 5 maços por dia... acende cigarros com o fogo dos filmes... a Binoche zarolha... olho de peiXe que o gato come... íris branca do Senhor Merda... olhos anulados... impedidos de filmar... olhar de roupa branca... ecrã vazio... “ficam-me as órbitas sozinhas, sem olhar, sem mar, sem desejos, sem frangos, sem nada” (Buñuel)... os olhos inteiramente brancos quando nos esporramos... Un chien andalou... erotismo e morte do olhar... memória que corta e cega... o brilho de Rembrandt que cega Binoche... os olhos tatuados nos mamilos que nunca amamentarão abelhas... seios-olhos em Naked Eyes... não suportam a luz como as personagens de Nick... vêem melhor no escuro... as insônias de Nick... dark lights... as insônias de AleX... a cortisona de Mason em Bigger Than Life... os comprimidos para dormir de Gloria Grahame in a Lonely Place... a noite contra “a eterna ilusão da luz”... os soporíferos de Lavant... o sono pela violência dos venenos... vidas esgotadas... esgotos... esgotamentos... noite, noite!... úmida, sepulcral, podre... o olho de Binoche no buraco da porta depois de matar Julien... o olhar no lugar da bala... o olhar que mata... constelação de estrelas cegas... olhos cortados, mutilados... peiXes voadores que nadam e saltam dos olhos dos amantes... sentir-se peiXe... sentir-se gato... sentir-se ar... o olho em estado selvagem... falso raccord de Lavant a tirar o penso do olho de Binoche... o gato que lambe o olho do peiXe... ternura de Lavant que entrará em contradição... não quer que ela saiba da cura... queima os cartazes para conservar a temperatura quente do amor louco... Charles Farrell corta todas as árvores para alimentar o fogo do seu amor... as paiXões incendiárias de AleX... sempre harmonias em contradição... desafio ao rigor analítico dos encartados... não há cá harmonias de encomenda... as imagens eXplodem num turbilhão de ódios e paiXões... indisciplináveis... irrefreáveis... a liberdade é doentia e cega... olhos doentes... olhos em branco do Sr. Merda... visage sans yeuX... yeuX sans visage... os mesmos cães na estrutura industrial de Bartas... os doentes podem brincar como crianças... ninguém mais livre do que o doente... sem profissão, sem universidade, sem flirts culturais... olho queimado e transparente dos desastres... a cabeça desenhada de Hans Arp (um olho esbugalhado e outro invisível)... metamorfose do olho para o peiXe como no “primeiro sonho” de Grandville... a fragilidade carnal do olhar... “a pequena lua amarela nos meus olhos” (Anna)... jogos de mãos e olhares como nos filmes de Bresson... as cartas de AleX... o olhar faz-se mão, a mão faz-se olhar... Lavant baralha as cartas... quem a viu?... que sorte?... um tiro nos miolos?... cartas dadas... a Polícia vê tudo... inserts de mãos entrelaçadas... mãos que falam... Pierre e Thibault... Thibault e Lucie... Pierre e Mãe... o plano do olho de Mireille e da boca de AleX... a boca vê... o olhar grita... o olho baleado de Julien... o pintor com uma bala alojada na cabeça em Boy Meets Girl... o astronauta olha para a lua pisada... transtornos lunáticos... lacunáticos... os olhos degradados de Pierre... os olhos queimados de Binoche... molhados no fogo... o incêndio no metrô... os olhos infectos... os olhos cornudos de Thomas em Mauvais sang... o reencontro entre AleX e Thomas filmado como um western na Pont Neuf... a primeira vez fora à beira do Sena em Boy Meets Girl... vidas que emigram de uns filmes para os outros... os passos perdidos... os olhos encovados de Isabelle... olhos eXtirpados... a pujança dos olhos mortais... não formatados pela moral dos professores... o fotograma de Isabelle que arde em Sans titre... fogo que irrompe e corrompe a origem e criação do mundo... imagem sacrificada... quadros fotográficos de Eric Rondepierre... monstros... decomposições... deformações... a lava alastra pelos fotogramas degradados... a chuva nos vidros... a desfiguração dos interiores... corpos interiores apagados pela chuva nos vidros... a autópsia de um filme... só podemos ver o corpo de um filme quando o matamos... inserts negros em Boy Meets Girl e Mauvais sang... a descontinuidade na sucessão viva de fotogramas... lacunas... vazios... olhos furados de “Miroir”... o olhar em crise no início de tudo... arte da desfiguração... os planos cortados em dois... o grito da matéria rasgada... “os sonhos imediatos da matéria” (Ponge)... AleX e Mireille... os pés em cima... a cabeça em baiXo... a visibilidade rasgada pela respiração dos corpos... imagens cortadas... “não se talha a nossa vida sem nos cortarmos” (procedência: René Char)... vida e morte entrelaçadas... promessa de uma relação... novos fantasmas... horríveis infecções nos olhos... os vermes de Baudelaire comem os olhos dos amantes... “amores já decompostos”... Katerina Golubeva e Depardieu... jovens e belos... mortos... os filmes são como os livros para Henry Miller... formas superiores de matar saudades dos amigos... os sonhos de atrizes mudas desaparecidas... encontrar nas amigas a beleza das atrizes defuntas... a memória das atrizes mortas... Pola Negri, Anna Karina, Jean Seberg, Janet Gaynor, Lillian Gish, Falconetti, Mary Philbin, Nadia Sibirskaïa, Louise Brooks... CaraX filma biografias imaginárias de atrizes desaparecidas... “o cinema é a história de um encontro”... pensar os filmes a partir das mulheres que amamos... CaraX esteve um ano apaiXonado por uma rapariga sem lhe conseguir falar... assim nasceu Boy Meets Girl... ”filmes de pré-adolescência” na eXpressão de Garrel... amores catastróficos no relâmpago da adolescência... “uma dama a quem chamarei Aurélia, mas que estava perdida para mim” (Nerval)... a pequena dama do metrô como na canção de Mayol... as meninas rebeldes... as atrizes do cinema mudo... as personagens permutam sorrisos, gestos, olhos, cabelos, roupas... vida já vista e não esquecida... refleXos e semelhanças que passam de uma mulher à outra... semelhanças invisíveis que eXplodem... todas as atrizes mudas pregadas se assemelham... Mireille e Anna jogam às escondidas com a câmera como atrizes burlescas do cinema mudo... Mireille vestida de Joana d’Arc... Falconetti de Dreyer... Seberg em Les hautes solitudes... o fogo do cigarro como fogueira... consumição dos rostos... a pequena Lisa de Grémillon ou a Lisa abandonada por Dostoiévski (Cadernos do Subterrâneo)... a ponte sonhadora para as atrizes... novas reivindicações de mortos e fantasmas... “mortos presentes”... aparições passadas... a “urna luminosa” do cinema... as atrizes mortas que rebentam com as molduras... “ao ver-te assim presente tão subitamente!” (Ruy Belo)... a lembrança inesperada e fulguração repentina... a cinefilia carregada até eXplodir... Big Bang!... é ver as constelações caídas... Pola X... Cara X... O X de Scarface sempre que alguém morre... Léo ScaraX no genérico de Strangulation Blues... todas as incógnitas do cinema de CaraX... como em Melville... os pensamentos substituem as personagens pelo “X”... a vazia incógnita... o “X” irrepresentável pelos vivos... só os mortos podem ocupar... o “X” no táXi que leva Fernando e Conchita para a morte nesse “obscuro objeto do desejo”... o “X” de Mauvais sang... os mortos a vir... a incógnita Pola X... Pierre filmado sob um ponto de vista incógnito... quase sempre espiado por Isabelle... a câmera viaja de fora para dentro da casa na abertura de Pola X... a primeira ameaça do filme... um rosto incógnito que persegue e se insinua... só mais tarde veremos... “rosto, quem serás tu?”... a presença invisível de Isabelle... a “presença perdida” como CaraX esteve para chamar a Pola X... a linguagem infantil de Isabelle... desvanecida... vagas e estranhas reminiscências do rosto de Isabelle... uma vida anterior... um tempo remoto imaginário... a presença de uma ausência... o cinema... acontecimentos graves passados... “mortos de morte violenta podem ressuscitar e deitar a perder os humanos” (Cocteau)... Isabelle e Baladine Nikolaievna de Pierre Jean Jouve... a mão passa pelo rosto... fazer desaparecer as recordações... como separar o sonho da recordação?... como separar a recordação da realidade?... montagem de passado, presente, sonho, recordação, utopia... Pierre voa para Isabelle... o sonho maldito dos proscritos... o comboio entra no túnel... rompe o encontro bucólico de Pierre e Lucie... túnel erótico dos primeiros encontros de Pierre e Isabelle... destinados ao êXtase e à morte... o X do eXtasis de Eisenstein... os caligramas de Apollinaire... os interteXtos... os poetas cruzam versos como espadas... as citações cruzadas... Ramuz na boca de AleX (Boy Meets Girl)... René Char na boca de Lise (“pela ruas da cidade anda o meu amor (...) quem ao certo o amou e de longe o ilumina para que não caia?”)... o ventríloquo de AleX... a voz de seres desaparecidos... uma bala falante no ventre... vozes justapostas a um rosto... Rimbaud e Verlaine no final de Mauvais sang... “Dites-moi à quelle heure je serai transporté à bord” (Rimbaud)... “Ça sera comme on a déjà vecu” (Verlaine)... os mesmos Rimbaud e Verlaine quando AleX rouba os discos... os amigos-inimigos Pierre e Thibault... “um tiro capaz de acordar os mortos”... Os especialistas reduziram os filmes de CaraX a estribilhos da pior nouvelle vague... à memória do cinema como coleção fetichista... à vaidade formal de dispositivos não vividos (vide Canijo)... CaraX é mais compleXo e indefinido... uma memória física de todos os filmes... a frescura de uma nova juventude... um estado de infância... AleX anuncia que só lhe interessam as primeiras vezes... primeira tentativa de homicídio... primeiro beijo... uma memória viva das primeiras vezes... a recordação alegre dos primeiros passos... AleX imita os primeiros passos de um bebê ao som de Limelight de Chaplin... o cinema é uma bailarina que volta sempre aos primeiros passos... os primeiros passos de um homem sobre a lua... sentimos um gesto inicial... como Rimbaud ou Radiguet... tudo se passou antes dos 20 anos... a inocência poética das formas... uma imagem rejuvenescida do cinema amado... uma cinefilia desprotegida... eXposta às intempéries... as sombras do passado como relâmpagos vindouros... uma cinefilia queimada que renasce numa página em branco de Pierre... “escrever o guião com todo o desespero” (Strangulation Blues)... uma memória ativa, criadora, destruidora, arejada, viva, desintegrada, desfigurada... um assombro... uma forma de vida entre sombras... a ressurreição de um passado com os olhos presentes... uma cinefilia da catástrofe... a citação como fratura da linearidade... a desestabilização do filme... o romper de fantasmas... os filmes sobre as ruínas de outros filmes... os filmes-filhos incendiários... um monte de destroços que se quer salvar... pôr ordem no mundo como Hamlet no início de Pola X... um cinema irrealizável... seguir a estrela até à morte... fazer filmes para mortos e fantasmas... o cinema nasce na morte... no fim... é a eXpressão de uma perda... “a voz de velhos filmes do cinema” como diz AleX no Mauvais sang... Lise salta do filme de Grémillon para a vida de Mauvais sang... uma frescura que rejuvenesce os mortos... CaraX recomeça o cinema... as fadas feéricas da loucura... os caprichos de Méliès nas brincadeiras de AleX... dinamismo primitivo... magia... Lavant lança objetos ao ar... caem transformados... cinefilia sans titre... sem preservativo... um arrebatamento para as ilhas desconhecidas... ilhas que eXplodem em Hell and High Water de Fuller... uma pureza de emoção que envenena... um sonho que abre feridas... um vírus-cometa de celulóide... flutua entre a morte e a vida... o nosso nascimento... os nossos sonhos... a nossa juventude... os nossos amores... o nosso sangue... a nossa morte... êXtase e destruição... geografia de lembranças, acidentes e fragmentos... “nenhuma pessoa me pode ensinar a esquecer” (AleX para Binoche antes de se mutilar)... devolução violenta a uma origem traída... a pérola irregular que Guitry devolveu ao mar primordial... a fulgurância sem limites do amor... “cinema do amor e amor do cinema” (Alain Philippon)... não é questão de transcrição cinéfila... é eXaltação inata e espasmódica e destrutiva de tudo... uma dança no abismo... não cabe em categorias filosóficas, políticas ou filmómólógicas... um tumulto de imagens e emoções novas... no princípio era a emoção (boy meets girl)... a magia que King Vidor atribuía ao encontro entre um rapaz e uma rapariga (Cahiers du Cinéma amarelos, nº 136)... o sangue brota do coração... filmar é citar a vida... reviver a verdadeira vida de todos os filmes... as emoções... amores, ódios, livros, músicas... as “emoções vencidas” de que fala CaraX... as decepções de que todos os filmes precisam... assim se precipitam e vivem e justificam... os “sentimentos de inesperado e inevitabilidade”... “a flor da virtude cortada por um estranho infortúnio”... uma vida que se atualiza em cada catástrofe... a catástrofe financeira dos amantes... economicamente insustentável... um poeta joga sempre até ao último cêntimo... “cada rodagem é uma catástrofe natural” (CaraX)... Binoche precipita no Sena a caiXa de dinheiro roubado... o dinheiro liquidado... as notas que o Sr. Merda come como o Rataplan... AleX entregue aos azares da rua... a vida... esse esplêndido baralho... esse tarô de chaves perdidas... Hans espalha todas as chaves dos filmes de CaraX... glugluglu... um comentário sobre o que não se alcança... velhas paredes de primeiros desenhos... o cinema é a arte da juventude... a alma dos poetas... Skorecki fala na cinefilia como “eterna adolescência”... fonte de luz onde bebem os olhos da juventude... ó juventude, filha da puta, onde estás tu?... uma arte inacessível à juventude nunca o será... em Portugal há um “cerco de arame farpado à juventude”... o cinema é coisa de velhos mestres... e os mais novos parecem os mais velhos... a cinefilia tornou-se tão acadêmica, fossilizada... uma esclerose múltipla... a cinefilia e o cinema só são perigosos enquanto arte da juventude... “a musa Cinema é a mais nova das musas” escreveu Cocteau... esse poeta que apelava aos “arcanjos da desobediência” como James Dean... ao suicídio como desobediência às regras mortas... aos acidentes... erros... aos imponderáveis da vida... enfim... a juventude desaparecida... os velhos permanecem... bom seria voltar à cinefilia como trampolim para a vida... ao prazer cinéfilo de roubar à grande tela... os amantes atirados para a rua... ladrões que se escapam... os crimes de Saint CaraX... a “alegria da impostura”... Pierre infinito no êXtase... plagiário na eXistência... originalidade impossível de Pierre... a escrita caótica de Pierre... “uma obra dada a devaneios que roça o plágio”... o presente contaminado pelas citações do passado... obras, corpos, vidas... o embate do passado no presente... os reencontros... as primeiras vezes que se repetem... as contradições... destruição e restauro da origem do mundo... uma decomposição cubista da primeira vez em várias facetas... a sucessão e sobreposição de primeiras vezes... esbanjamento da eXistência... mapa de desastres... multiplicação de citações... o monólogo torrencial de Paul em Strangulation Blues com inumeráveis citações... uma memória do cinema que não oprima... que dê vida... reminiscências do cinema mudo... Griffith, Vidor, Epstein, Vigo, Mitry, Grémillon, Cimino, Godard, Cocteau, Eustache, Garrel... bem amados e vividos em CaraX... nada de referência barata... êXtase poético e destruição... cartas rasgadas de amor... gloria in eXcelsis Deo... dead can dance... “a memória monstruosa do cinema como motor e criação” (Daney)... o sangue malsão do cinema... Eustache vomita sangue... as feridas por cicatrizar de Garrel... heranças e transfusões malditas... STBO, o vírus de Mauvais sang que ataca quem faz amor sem amor... o vermelho passa de plano para plano... uma propagação do vírus... CaraX tem o cinema no sangue... filma com o sangue... veneno desconhecido que passa de umas veias para outras... diversas correntes de veneno... o primeiro beijo vampírico de Isabelle no pescoço de Pierre... “lust is but a bloody fire” (Shakespeare)... sangue contagioso que passa... filme para filme... personagem para personagem... eXperiência para eXperiência... a noite em que se contam as primeiras catástrofes amorosas... apesar da dor um refleXo da primeira felicidade... apesar da felicidade um refleXo da primeira dor... a noite e as estrelas de Boy Meets Girl... a violência dos primeiros amores... estrelas num céu negro como manchas de sangue nos trapos das personagens... o pano de Mireille... o casaco de AleX... o pano de Florence que cai no início de Boy Meets Girl... rimas visuais... coincidências... premonições... contaminação... podridão... sangue quinado... Dashiell Hammett, Sade, Camilo, Musil, Lautréamont... dar vida aos fantasmas pela transfusão do próprio sangue... a febre do sangue... metade do sangue é álcool etílico... dilacera-se a carne... o sangue jorra... AleX e Anna em Mauvais sang... o quarto de Elizabeth e Paul em Jean Cocteau... os déjà vu duma vida anterior de Paul... as crianças terríveis... desenvolvem-se à margem do mundo... os jogos e as representações de AleX e Anna... a espuma da barba atirada à cara... crianças selvagens numa ilha onde todas as brincadeiras são possíveis... o Vert galant como ilha dos amantes... os sonhos combinados com a realidade... onde se recomeça a viver... câmara escura... quartinho cor de sangue de Törless... quarto de Marthe e Radiguet... os “instintos tenebrosos da infância”... a penumbra avermelhada do cenário... sombras avermelhadas... desordem líquida do útero maternal... o copo de leite de Lavant... a Via Láctea... o leite envenenado das mães... o ecrã saturado de vermelho... filiação e infecção... quando se bebe sangue familiar, o sangue torna-se malsão... eXtravagâncias miseráveis das crianças... os amores malditos de Heathcliff e Catherine Binoche... meninos selvagens... meio-irmãos... almas danadas... a brincadeira-castigo do Senhor Merda... Ulrich e Agathe para Musil... o amor entre irmãos como “último amor possível”... aspiração à sua derradeira impossibilidade... os jogos interditos de René Clément... crianças que brincam no cemitério... crianças monstros... suicidadas da civilização... “ar irrespirável à força de inocência criminosa e suicida”... crianças no inferno... crianças criminosas de Genet, Hermann Ungar... Lavant... criança muda perigosa... AleX boXeia o ar... saltam de avião... flutuam no ar... Ma petite Lise... a perdição das personagens... clima abafado de Boy Meets Girl... o mapa de primeiras catástrofes serpenteado pelo Sena... afiXado no quarto de AleX... AleX queixa-se do calor... rega as flores do mal... fugaz luz doentia do frigorífico para ler os astros... crianças ameaçadas como em The Night of the Hunter... a atmosfera do quarto respira sangue... AleX e Anna silenciosos diante de Marc... “as crianças calam-se quando se aproximam os adultos”... a imaturidade do amor... AleX e Binoche como peiXes debaiXo de água... aí se vêem e descobrem... a imaturidade de Pierre... a pesca no poço... os cadáveres aquáticos no Pola X... a imaturidade de Hamlet... a imaturidade de um cowboy... à procura de si próprio alvejando um outro... Pierre não encontra a casa de Thibault... ultrajado no táXi... rejeitado na festa... indecisão de Pierre... incapaz de assumir qualquer responsabilidade... tenta viver como um homem... uma maturidade inalcançável... espelho quebrado dos outros... a degradação do jovem Törless de Musil... os cadernos do subterrâneo... o poço de merda onde caímos... morrer com os cornos na parede enquanto nos afogamos... água, peiXes, aquário, prisão... “the sea is the sea, and these drowning man do drown” (Melville)... morte inevitável... cada shot são litros de sangue... anúncio vermelho do terror... sangue triunfante da primavera... CaraX escorrega na neve... sangue branco... a neve e o trenó de Rosebud... “neve, capricho de criança” (René Char)... o fogo congelado de Boy Meets Girl... a geada do fogo... “o sangue profano da neve”... o fim é já uma nova inocência... AleX desliza na neve-infância... como os dois homens contra o oeste de Blake Edwards... riem-se da vida... a irregularidade... as discordâncias... conheço os defeitos mas não posso emendá-los... a estrutura industrial para artistas indigentes... a orquestra num imóvel em construção... proibida a Buñuel em Los olvidados... Sharunas Bartas como chefe de orquestra de uma geração perdida... espaço de perdição... escadarias e prisões de Piranesi... Depardieu preso aos 22 anos por vender heroína... a grua sobe da fossa dos músicos... rebenta musicalmente nas alturas... ascensão da câmera e queda do olhar... a música estoura... o olhar vertiginoso é precipitado para baiXo... ao mesmo tempo ascensão da câmera e vertigem da descida... queda... decadência... outros movimentos de câmera ascendentes e descendentes como as ambigüidades de Pierre... a música de Scott Walker entra por Pierre adentro... impetuosa... violenta... bruta... empolgada... eXaltada... aceleração e brutalidade... contra-peso para as eXistências tranqüilas... a câmera ao alto... atraída pelo abismo... quer e vai cair... agarra-se com as unhas... os dentes... Pierre debaiXo do tremendo rochedo... a rocha presa por um fio... prestes a despenhar-se... eXplodir com todos os invólucros... ficar solitário entre as alturas e o abismo... o mau instinto... a fuga de Pierre escadarias abaiXo ou acima... geometria espacial rasgada... o som desorienta, dispersa, arruina o espaço... a deambulação noturna de AleX em travelling ao som de When I Live My Dream de David Bowie... Mireile dança no firmamento, AleX deambula... as sobreposições de Coeur fidèle de Epstein... os ecos de uma música ressoam noutra vida... noutra rua... noutro espaço... noutro filme... ubiqüidade musical e sobreposição de corpos, memórias, vidas, filmes... telepatias sonoras... sobreposição e montagem paralela... um, dois, três, quatro... um passo, outro passo e depois... o “passo sacudido” de Baudelaire... a mesma música em espaços diferentes une as duas vidas... a proXimidade musical de um sonho (“When I Live My Dream”) opõe-se à distância geográfica... AleX fecha os olhos e caminha como um sonâmbulo... a sobreposição... Mireille filmada da cintura para baixo... AleX da cintura para cima... união e separação dos corpos... as pernas de Mireille nos ombros de AleX... intimidade presente, cortada, adiada... telepatias de Murnau nas posições dos corpos e olhares... no princípio era o sonho... encontros oniricamente antecipados... sonhar acordado... telepatia onírica... o guia é a obscuridade... AleX sonâmbulo guiado pelo aparelho sonoro como Heston em Touch of Evil... os corpos radiofônicos de AleX e Binoche... a música substitui o diálogo como tantas vezes em Jean Renoir... AleX e Mireille... jogos de ecos visuais e sonoros... unidade onírica dos seres... corpos perdidos na noite... livres como só os que perderam tudo podem ser... “escoamento perdido de luzes num espaço negro”... o preto e branco doentio... perderam a orientação no nevoeiro... movem-se em sonhos... as conversas pelo intercomunicador... a multiplicação de pontos de vista sonoros... rádio... voz off... voz in... dublagem dessincronizada... abrir o espaço à desorientação sonora... dissonâncias... multiplicam-se e desorientam-se os discursos... o in que vemos... o off que ouvimos... Mireille e AleX que vêem para além do que escutam... como noutro plano de Boy Meets Girl tudo se passa entre a boca e o olhar... AleX espectador-ouvinte... o monólogo de Bernard... o mutismo de Mireille coincide com o mutismo de AleX... a montagem cria um campo/contra-campo que inaugura uma disponibilidade de relação... o amor terminal de Bernard e Mireille funda a curiosidade amorosa de AleX... a voz de Mireille no corpo de AleX... a dessincronização como unidade perdida... o diálogo off entre Thomas e Florence perante AleX... o ventríloquo de AleX como voz off dos mortos... evocação sonora de uma recordação... uma voz vinda do passado... outro tempo, outro espaço... vozes sem corpo... fantasmáticas... os pais mortos acusam os amantes das filhas... vozes como presença fantasmática dos defuntos e ausentes... a desorientação do pobre espectador... ambigüidade da dessincronização e do off... quem fala?... quem escuta?... quem vê?... que tempo?... que espaço?... a boca acerca-se da orelha... a necessidade de tagarelar... as confidências infantis de Radiguet... ouvintes monstruosos... a escuta de um sentido múltiplo que dói... do silêncio denso à veloz conversação... palavra e provocação silenciosa... profusão discursiva e mutismo... linguagem transbordante e entrecortada... barroco animado pela nostalgia do paraíso perdido... o absurdo de discorrer palavrosamente para recordar o silêncio dos primeiros filmes... das longas confissões à mudez... o teXto abundante em corpos mudos... as vozes mudas... a incomunicabilidade do Merdonês... a dispepsia nos profissionais da comunicação... a mudez do velho homem do cinema mudo e a palavra da intérprete... mimetismo que requer tradução... a voz off para libertar as imagens mudas... “o filme fala demasiado para permanecer mudo” (CaraX sobre Camouflage de Zanussi)... “interrogar o cinema mudo pelo absurdo do discurso falado”... “o cinema mudo era melhor... porque... porque... não se entende o seu segredo”... palavras bloqueadas pelos corpos mudos esquecidos... irrompem abundantemente... como Eustache... a confissão retardada do que morreu no coração... falar para chegar ao último silêncio... “o sonoro inventou o silêncio” (Bresson)... “il ne faut rien dire... il faut se taire... je me taise... vingt ans de babillage... maintenant, silence!”... “se tivesse uma criança matava-a mal dissesse a primeira palavra”... a nostalgia da infância do cinema mudo... nunca mais... já foi... a infância silenciosa de AleX em Mauvais sang... a língua perdida... a palavra torrencial que acentua a morte do cinema mudo... o gesto que mata a palavra... música, silêncio, palavra... A assombrosa música de Isabelle... corpos rotos... corpos picados... ligados pelo movimento de câmera... a câmera pica e liga corpos, carnes, ossos, linhas... as vidas estafadas de Pola X... as ilusões da juventude jogadas ao disparo... Binoche e Lavant a gastar balas... sugestões seXuais, falsos raccords, elipses... Pierre corta-se na mão... corta para a agulha a coser o vestido da noiva... Pierre com a mãe na cama... corta para uma posição de relaXamento... fumam como se tivessem acabado de foder... travam um cigarro pós-foda... o filho é o melhor amante da viúva... amor incondicional... Pierre e Marie... mãe e filho que se tratam como irmãos... incestos... parentes e amantes... filho e irmã... o amor incestuoso como único amor possível... Pierre ou as impossibilidades... Lucie aparece mordida no pescoço (chupão de Pierre)... rima vampírica com o beijo de Isabelle no pescoço de Pierre... Thibault guarda o taco de golfo de Marie... falso raccord do cabelo loiro de Lucie para o cabelo igualmente loiro de Marie... Pierre e Thibault fodivelmente enquadrados no jogo de pinball... as necrocinefilias de Strangulation Blues... lavar os cadáveres para foder... no pior dos casos enfiar-lhes um dedo no cu... o prazer adolescente de violar cadáveres de mulheres... Michèle engole a pílula... o preservativo de AleX e Lise... Hans enlaça Michèle no Louvre... o caralho teso de Lavant nas mãos de Binoche... Mireille e AleX deitam-se em espaços diferente na mesma posição... o corpo de Anna decalcado nos lençóis de sangue maldito... o traço de um movimento corporal... o refleXo de AleX no vidro que se cola ao corpo de Anna... fantasma de uma relação virulenta impossível... os amores impossíveis de AleX com Anna ou Mireille... perdidas e suicidas... a morte de Mireille anunciada no início de Boy Meets Girl (em breve, estarei morta)... AleX e Lise... Pierre e Lucie... Pierre e Isabelle... suicídio de Isabelle... suicídio de Mireille... suicídio de Hans... a mulher morta de Hans... o acidente de Marie... a morte de AleX anunciada pela morte do pai em Mauvais sang... os filmes de CaraX começam onde já acabaram... o primeiro amor é o último... todos são primeiros e últimos filmes... à força de impossibilidade tudo é possível... “sentimento de vida total através da recordação da dissolução”... muitas outras elipses, falsos raccords e telepatias de olhares em CaraX... o melhor Mozos no Xavier... um corte e a rapariga parece ver-se a si própria noutro espaço... os jogos de coincidências que fazem os filmes... os encontros e as perdições... as perdições e os encontros... elipses do caralho em CaraX, Mozos, José Oliveira, Kaurismäki e pouco mais ainda vive... Binoche atropelada pelos tanques de guerra... a parada militar... a montagem alucinante... o cemitério bombardeado em Pola X... movimentos de formas... colisões de imagens à Eisenstein... montagem de atrações... de provocações... cortes e eXplosões... sem transições... Binoche assassina e a celebração do 14 de Julho... a condição humana e a História... a ficção no documentário... o documentário na ficção... nada de simbolismo eXtático ou iconografia estetizante... movimento bruto... emoção... eXaltação... jogo voraz de imagens... suscitar o êXtase múltiplo de uma fuga... Binoche e a multidão... montagem acidental de elementos... montagem rasgada... precipitada no abismo do álcool e numa gargalhada louca... gorgolada na garrafa... liquidação total... zero de sínteses acadêmicas... novos acidentes... não há certezas... elementos rasgados... o fogo tricolor... as cuspidelas incendiárias... a incrível rapidez manual de AleX... a bandeira tricolor riscada no céu pelos aviões... rasgar eufórico... erupção transbordante... eXclamação... plano de conjunto e queda de um astro... montagem dissonante precipitada no abismo do álcool... beber das feridas... constelações de astros e desastres... crise viva das formas... contato e contraste... toque e ferida... acidentes... sobrevivência e eXtinção... contradições irreconciliáveis... aceitar o risco da imagem e do cinema... os filmes desordenados como mapas afetivos de emoções... a celebração e queda do cinema e da vida... o cinema, a pátria dos amantes... o 14 de Julho na Pont Neuf... o cinema tricolor de Mauvais sang... a marselhesa no rádio de Strangulation Blues... a tomada da Bastilha... o grande plano inventado pela guilhotina... o poder do amor... a bebedeira dos amantes... água ardente... álcool para cuspir fogo... os aviões tricolores... Lavant salta como uma pulga... os polícias que tentem apanhá-lo!... difícil Binoche reter os traços do bailante!... a palpitação de um olho perdido na rua... geme, galopa, vacila... música do corpo... músculos sorridentes... os músculos riem à desbragada... lirismo musculado... as chamas nos olhos de Binoche... a festa do fogo... Virginia e Ferdinand “ébrios de Primavera” numa ilha desconhecida... deslumbrados pela felicidade do instante... vertigem da desgraça... o coração incha... levanta vôo... flutua no espaço... dança das esferas... pezinho de bailarina no universo... big bang!... estrondo catastrófico... Lavant procura Binoche... focinha todas as ruas... há que ver a violência da perda... nada nos perdidos e achados... o diabo no corpo... a carne furiosa... auto-mutila-se... eXalta-se... inocência catastrófica... deita fogo aos cartazes... furor erótico de Charles Farrell... corta os falos das árvores... lenha para queimar... a fogueira dos sentimentos... o amor que nasce... num riscar de fósforo... viver tudo num instante até ao último alento... o desejo de perigo e risco... AleX foge de Lise... Pierre foge de Lucie... AleX atropelado... “la catastrophe c’est la première strophe d’un poème d’amour”... acender um fogo com os destroços da vida... “iniciar o amor é entrar vivo no fogo” (Radiguet)... o impulso do pinball... o debate entre o destino inapelável da bola e o livre arbítrio das pancadas... os corpos saltam como bolas de pinball!... filmes de passagens... as passagens sem aviso prévio para o sonho... o apontamento lírico... a projeção cinematográfica... a realidade em carne e osso... as mãos lançadas... os braços como asas cortam o ar... Anna voa no final de Mauvais sang... só no ar... ilimitada eXpansão da vida... arco tenso que projeta flechas envenenadas para o ar... não é matéria para eXegetas... Binoche abraça o infinito e incorpóreo ar... “estendendo as mãos ao vácuo aspiro unicamente à liberdade” (Antero de Quental)... voam em cascatas de ar... Lavant atira pedrinhas saltitantes para o Sena... fulgurações... novas catástrofes... pestilências evanescentes... a fisicalidade de Lavant... Chaplin, Keaton, Gene Kelly, Fred Astaire, Harry Langdon... cinema de carne e osso... não se reflete um segundo... é tarde demais... agora é viver o perigo... as acrobacias de Denis Lavant... os esqueletos volantes... os clowns... a fricção contra as superfícies... o amor arrisca-se e faísca... o fulgor das ruas incendiadas... o travelling risca os corpos contra a parede como fósforos... combustão de todas as recordações... memória catastrófica do cinema... a física eletricidade de Isabelle... subir e descer escadas como eXalação... Pierre açoitado pelo vendaval... Binoche avança sobre balas... a gravidade... “não fora a gravidade e os homens seriam atirados para as estrelas” (Chaplin)... astros e desastres... morte e inferno... deiXar os traços de um desastre... Binoche desenha Lavant depois do acidente... julga-o morto... lava apocalíptica... catástrofes naturais em Sans titre... cinema da raça de Peckinpah, Aldrich, Fuller... sobre águas infernais... cinema que vomita pólvora como 300 canhões... ejacula como descargas do Vesúvio... chuva de estrelas caídas... infernal... fogo na água... convulsões sem razões... ecos tremendos na rua... não deiXam dormir a vizinhança... as corridas dementes de Madame Edwarda... o movimento delirante que descompõe fantasmas... o coração a galope... centauros de Walsh... o esforço burlesco de Lavant para não sair de campo... o travelling lateral com Modern Love... hesitação e velocidade... corrida a toda a brida de AleX para não sair de campo... princípio de imobilidade e movimento... movimento e imobilidade... cavalgadas de Muybridge... queimar pela velocidade... o movimento do corpo gera a emoção... emoção muscular... Binoche e Lavant montados numa estátua eqüestre... o galope pela sucessão de imobilidades... tão forte que tudo parte... se parte... relâmpagos que deslumbram, fulminam, cegam... caralhos em fúria... esporras de aço... a cavalo cabalistas!... cinema da fibra de Sollima... o mais radical e anarca dos pistoleiros... vândalo insintetizável... ferida aberta onde brotam todas as contradições... nem verdade, nem verossimilhança, nem conciliações de coisíssima nenhuma... buracos e pó dos homens... puro assombro... o desejo de tudo estourar... o bater violento de coração dos pára-quedistas antes da queda... a palpitação de uma estrela caída... vida em fanicos... o copo feito caco... os vidros em papa... irregularidade no aguce... garrafas ao ar... engolir os vidros... matar para ela morrer de riso... bailar com a morte... cair da ponte ou do 4º andar... ir a Sarajevo cheirar mortos... cravar um punhal... Deneuve espalha-se no asfalto... a liberdade dos Amantes asfaltados!... corrente, espuma, esporra... a tentação de morrer quando se vê uma pinguita de água... mortos dentro do relógio... esquartejados pelo ponteiro dos segundos... hemoglobina da felicidade... beber o sangue... Binoche beberia e ria... morria 24 vezes por segundo... que alegria!... corpos sovados... céus rasgados... dói-lhe os cornos à força de recordar... corações ao alto... colhões de granito dinamitados como em The Big Red One... a baba de cavalo na boca retorcida de Pierre... os bailados catastróficos de Ferdinand e Virginia... um palpitar de corações estilhaçados... Cross of Iron... queda e levantamento... a emoção de amar... a corrida para a morte... “o eXcesso de querer-viver que deforma”... eXcitação e impulso muscular das imagens... urgência... realização direta antes de ser pensada... violento desejo de viver... nada de poética eXtática... consciência do horror... recordação traumática... réquiem do primeiro amor... morte de uma inocência no final de Boy Meets Girl... a decepção de um entusiasmo adolescente e puro... o sentimento de catástrofe com o desabamento das ilusões... sem psicologia como Nicholas Ray... emoção pura... violência... urgência... a mota espatifada do pai... o fim das paternidades... mundo sem papás... espaço em branco... eterno presente dos órfãos e deserdados... a tragédia dos ricos é não saberem onde gastar o dinheiro... Antes ser um pulha!... o preço a pagar pela vida é a morte... “adoro viver mas estou envolvido com a morte” (Nicholas Ray)... a felicidade e a infernal queda de Pierre... os quadros atirados ao Sena... os quadros ignorados do vagabundo de Montparnasse... perdição de Becker ou Gérard Philipe... cinema selvagem e livre em correria para a perdição... bate Godard nos 110 metros barreiras... abdica dos altares da posteridade... a desaparição só enobrece os homens... os Amantes partem no navio... a Pont Neuf que atravessa e liga todos os filmes... a mais velha das pontes... o rio Sena... o “maior de todos os atores” (Epstein)... a presença geográfica constante... testemunho da vida das personagens... soltar as amarras... iniciação ao amor de L’Atalante no final dos Amantes... o “homem que ri” no barco de Paul Leni... levantar a âncora para o mundo dos sonhos... desligar as luzes do carro para o suicídio em Strangulation Blues... os poetas não deiXam seqüelas para a perpetuidade acadêmica... o travelling de CaraX... não é um fait-divers técnico como se vê hoje... é travelling físico, corrido... a força emocional e patética de Vidor ou Mur Oti... travelling-interjeição... travelling-eXalação... travelling-respiração galopante... travelling-eXclamação... a maligna alegria de Nietzsche quando gritava “escapei-me”... Para onde corre AleX?... Para onde corre Isabelle?... Para onde corre Binoche?... Para onde corre Pierre?... Para onde corre o cinema de CaraX?... para a mais absoluta eXtinção... a descida precipitada à rua... AleX e Michèle correm no metro à cata de Julien... uma dança desenfreada e eXtravagante... fogo de artifício musical... o travelling lateral em estúdio com Modern Love... o vendaval que arrasta Pierre... as corridas de monstros... os travellings de Merde... o travelling é uma questão de suicídio... o direito ao desastre... à impossibilidade de carreirinha no cinema... ao risco de vida em cada filme... o suicídio... o sucesso é para críticos mercenários... o risco e a coragem que irrita os instalados do sistema... uma corrida para a morte... um sofrimento festivo... a maldição de uma felicidade eXcessiva... alegria derradeira... a vontade de se afogar como Aurélia ou a desconhecida do Sena... como nos grandes westerns a essência é o desaparecimento... a emoção reside na eXtinção... é preciso enterrar os filmes para levantar uma lápide de amor... o cinema é a alegria de viver o que se perdeu... CaraX é a senha da Liberdade... o Boi místico deiXará Grande Obra no Museu... outros a história do seu sangue... um amor... uma amizade... a obra-prima é a vida!... é a única coisa que perdemos... o cinema de CaraX é a eXpressão de um direito de viver... não é uma carreira de funcionário público... a vida como filme... primeiros saltos ou quedas... um cineasta sentencia-se com a pena de morte antes do julgamento dos críticos... filmes impróprios para a respeitabilidade dos críticos... filmar é um estilo de vida... não é uma teoria da arte... essas parangonas cerebrais... cheiram a gabinete maçador de doutorado... é foder a intelectualidade!... com os nervos... o coração... as entranhas... eXplodir os invólucros... violência primitiva... força caótica e selvagem de Gance, Fuller, Aldrich, Peckinpah, Sollima... cadáveres em águas tumultuosas... rasgam os planos... estreitos para peitos ofegantes de sangue... lógica impotente para suportar o furor... desbordamentos, arrebatamentos, elipses, redundâncias, desarticulações... aniquilação do mundo... bebem, matam, jogam, arruínam-se... instintos jorram como hemorragias... a camada mais profunda da vida... o perigo original de estar vivo... nada das revoltas teóricas e vazias do eXperimentalismo moderno... um cineasta suicida-se na sua obra... miséria fodida... o cinema matou Eustache... dança sobre a própria ruína do filme... chegar à vida pelo cinema... assassinar a Grande Obra... filmar com a imprudência de uma criança... os sonhadores crônicos... os acontecimentos incertos... o rosto fogo na água... Um dia o cinema será um abraço entre amigos... um beijo entre amantes... um tiro entre inimigos... uma carta de despedida... uma biografia de afetos... a minha pátria de amadores... a minha ilha... o cinema é para documentar a vida... o cinema é mais um empenho vital do que estético... “filmar para dar vida e não para esquecer a vida” (Cocteau)... descer aos infernos para ser... tentar viver... Pierre não será um burguês formatado... um esqueleto cultural... será um outro à procura... assim se anuncia a Lucie na primeira vez... “Eu sou um outro” (Rimbaud)... Um é um outro... projetado até a perdição... o desejo de me destruir num outro... por telepatia a personagem segue os pensamentos de outra... eu sou um outro... a intensidade do presente... todos os anos se passam no presente... desnudado, destroçado, incompleto, perdido... busca do tempo e sua abolição... busca do espaço e sua perdição... escadarias equívocas... violência que fossiliza qualquer simbolismo obsoleto... a imagem presentifica uma ausência... os mortos despertam para reviverem a duração lenta do suicídio... onde cai o olhar de AleX-CaraX tudo se esquarteja... dissipa... fragmenta... arruína-se na matéria-prima do tempo não vivido... como Montparnasse 19... filme-tentativa de fazer o retrato do próXimo... todos os filmes são retratos espalhados no rio... na lentidão da melancolia ou no travelling da loucura mais inesperada... O cinema será uma ponte viva de homem para homem... não um preteXto para transmitir mensagens sociológicas ou etnográficas... a doença infantil do documentarismo... será uma arte que foge... realizará o amor entre um homem atrás da câmera e uma rapariga à frente... o traço de uma data... a ponte que me lançou a ti... entre margens... entre amantes... longe a vaidade do Tocha ou do Canijo... filmar a fundo perdido... arriscar tudo... se necessário hipotecar a casa como Capra... não se analisa o sangue dos poetas... apenas hemoglobina escarrada, vomitada, cagada... Morrem novos os poetas... têm de morrer antes dos filhos da puta... o único crédito é a Morte... o resto é Loucura |
2012 – Foco |