DEBURAU, Sacha Guitry, 1951
por Jacques Vallée
Deburau representa inicialmente uma certa radicalidade estética, que decorre do desprezo de Sacha Guitry pelos ouropéis pretensamente cinematográficos (acréscimos de exteriores, movimentos de câmera sem sentido...) destinados a embelezar sua excelente peça de teatro. Rodado em uma dezena de dias como a maior parte de suas adaptações, o filme é, por assim dizer, a peça. Quando a montagem intervém, é por meio de procedimentos comuns que reencontram aqui sua pertinência essencial. Assim, o campo-contracampo de uma luminosa simplicidade entre Deburau e os outros atores, no primeiro ato. Daí uma certa pureza, uma ausência apreciável de supérfluo. Mesmo que Debureau seja um mímico, o verbo está no centro da peça. Os diálogos são em versos e, na boca de Guitry e sua trupe, ressoam divinamente. De uma fluidez e de uma musicalidade tais que não se esquece a proeza do autor.
Como Le comédien, realizado três anos antes, Deburau é uma meditação sobre duas grandes manias de Guitry: a arte dramática e a paternidade. Num tom melancólico ou até mesmo amargo, posto que se trata de contar o fim de um grande mímico. Abertamente teórico na sua abundância de aforismos e de generalidades, o filme consegue emocionar graças à genialidade de seus atores. Quanto a isso, é necessário observar no início do terceiro ato a formidável tirada de Deburau sobre seu nome, um dos momentos mais profundamente tocantes da carreira de ator do grande Sacha. Guitry (o autor, o ator, o realizador) alcança então uma verdade humana: o humano que se torna mudo pela vaidade ao mesmo tempo que pelo amor, que somente os mais sábios dos cineastas (Ford, Pagnol, McCarey) tocaram.
(originalmente publicado no blog Avis sur des films [em http://films.nonutc.fr/2008/08/14/deburau-sacha-guitry-1951/], mantido pelo próprio autor. Traduzido por Marconi José Pimentel Pequeno e Matheus Cartaxo)
VOLTAR
AO ÍNDICE
|