CARTA DE ERIC ROHMER A JACQUES DAVILA
Caro Jacques Davila,
Eu vi o seu filme. Foi um encantamento. Mais ainda: um choque. Da mesma natureza daquele que eu senti, numa noite de 1946 ou 7, no estúdio Raspail, durante a projeção de As Damas do Bois de Boulogne. Tal como As Damas foi um filme-farol dos anos 50, estou persuadido que La campagne de Cicéron o será para os anos 90.
Não fique surpreso com esta aproximação. Eu sei: esses dois filmes possuem pouco em comum; creio inclusive que você se desprendeu melhor do que ninguém dos ranços bressonianos que ainda flutuam no cinema francês de autor. Mas, tanto num caso como no outro, respiramos na obra um ar de novidade indiscutível e triunfante.
Assim como Bresson, em 1945, punha em questão o “realismo poético” do entre-guerras, você varre com um só golpe a estética da moda (e já démodée) dos anos 70-80: esse expressionismo, essa teatralidade que se tomava por estilo, esse culto à fotografia publicitária que não tinha nada a ver com a pictorialidade, essa pobreza narrativa e do diálogo que revelaria não sei que tipo de modernidade exceto a impotência pura e simples.
Você traz consigo o rigor, a invenção, a inteligência, a poesia (a verdadeira, não aquela dos videoclips), a verdade, a beleza das palavras, dos gestos e, o que não é o menor dos méritos, depois de tantos anos lúgubres, enfim, o humor. Seu filme mostra que não apenas o cinema não “acabou”, mas que o mundo que ele penetra e pesquisa também não acabou de nos revelar seus esplendores cotidianos. É um desses filmes que nos ensina a ver e nos coloca em vias de dizer como Rimbaud: “Agora, eu sei saudar a beleza”.
Eric Rohmer
(Cahiers du Cinéma nº 429, março 1990, p. 25. Traduzido por Matheus Cartaxo)
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