ALEXANDRE ASTRUC: O filme que sonhei

 

SINOPSE DE AVENTURE DESCARTES

“A vida de Descartes é exemplar em dois sentidos. Não só porque ele escreveu seu célebre Discurso do Método, ponto de partida da filosofia moderna, lançou as bases de um método fundado sobre o rigor e a matemática, tratou do homem e do universo, descobriu as leis da análise geométrica (as coordenadas cartesianas); mas também porque, ao mesmo tempo, viveu uma vida de aventureiro.

 

Ele percorreu de cavalo toda a Europa, da Holanda até a Alemanha e a Boêmia, onde participou da Batalha da Montanha Branca. Lá foi abatido, se apaixonou por uma bonita criada holandesa, Hélène, flamenca rechonchuda e robusta, que lhe deu uma pequena filha, Francine, morta com oito anos, algo de que jamais se consolou.

 

O filme começa com a morte de Descartes na Suécia, próximo da rainha Cristina que havia lhe chamado. Trata-se de um ancião, congelado pelo frio desta Escandinávia polar, que perece. No momento em que ele fecha os olhos, uma coruja passa, pássaro caro a Minerva, símbolo da sabedoria e da filosofia.

 

Nós o reencontramos uns trinta anos antes, chegando a Paris, munido de sua herança. Criança, ele estudou álgebra e sonhou extrair da natureza seus segredos. Mas antes, como Montaigne, era preciso viajar e, para isso, tornar-se soldado. De Paris, ele avança até a Holanda onde se instala em Breda, dentro das tropas protestantes do Duque de Nassau. De lá, ele passa pela Alemanha, onde se junta às tropas dos príncipes católicos em revolta contra a constituinte protestante da Boêmia.

 

No seu retiro militar em Souabe, ele se fecha no seu famoso “fogão de sala” para descobrir, em uma noite de êxtase que nós mostraremos, os princípios do seu método.

 

Nós o reencontramos, em seguida, na Holanda, onde se fixa. Vê-se ele percorrer as ruas de Amsterdã, dissecar animais para provar, como Harvey, a circulação do sangue. Ele realiza um tratado do mundo, que ele quer queimar, sabendo da condenação de Galileu pela Inquisição. (Mostra-se o julgamento de Galileu.)

 

No meio tempo, ele descobriu as leis da geometria analítica, o que ele explica a Isaac Beeckman, seu amigo, um judeu português.

 

Ele se apaixona por sua criada, com quem ele passa uma noite carnal e passional. Vê-se ele brincando com a pequena Francine, fruto desta união, em uma praia do Mar do Norte; e, enquanto ela constrói castelos de areia que a onda leva rapidamente, ele traça figuras geométricas.

 

Vemos ele provando a existência de Deus diante do mar agitado pela ventania. Ele descobre seu cogito girando, com seus dedos, uma estrela do mar e um seixo.

 

Mas, após Meditações, ele é obrigado a sair da Holanda onde os calvinistas o acusam de ateísmo, refugiando-se na Suécia.

 

No navio que lhe leva e que está já desancorando, aparece-lhe uma forma branca, um fantasma, que prediz seu futuro.

 

Com esta última imagem termina o filme.

 

São essas duas faces de Descartes que nós queremos mostrar, aventureiro do espírito e cavaleiro do impossível, como Dom Quixote. Ele foi um pensador e um guerreiro. Ele foi alternadamente protestante e católico. Nós o veríamos tirar a espada nas margens do Elbe contra um grupo de ladrões de estrada que queriam lhe assaltar.

 

Ele é o mais francês dos franceses, ele que praticamente não viveu na França.

 

É um viajante com um fardo, em busca da verdade. Ele entra dentro dos alojamentos militares para se impregnar da vida dos soldados e se fecha em si mesmo, com seu capacete e sua armadura colocadas de lado, para escrever de joelhos, entre duas fanfarras, duas investidas de canhão, os primeiros preceitos de seu método.

 

As cenas do interior na Holanda lembram as telas de Vermeer. As flores que se vê ele colher são também aquelas, ao mesmo tempo, de um saber absoluto. Figura bem diferente daqueles que dormem com manuais de filosofia, é o último dos conquistadores que parte, não para a busca do fabuloso metal, mas de um ouro mais precioso ainda, a verdade. E é também o primeiro dos grandes aventureiros dos tempos modernos que misturaram ação e pensamento.

 

É, finalmente, o primeiro de todos os europeus desta Europa que, a cavalo, ele não se cansou de percorrer, e que seu gênio cativou para sempre.”

 

Alexandre Astruc

 

ELEMENTOS CONSTITUTIVOS DO TELEFILME

 

Nota: os elementos abaixo, enumerados em uma ordem arbitrária, serão melhor compreendidos quando postos em perspectiva no estágio da decupagem e da montagem, de uma maneira mais flexível e viva.

 

1) Entrevista com A. Astruc:

 

* gênese do filme. O ponto de partida é a obra publicada por Astruc em 1989: Le roman de Descartes;

 

* história da produção (televisão, cinema), imprevistos, recomeços, interrompimento;

 

* escolhas dramatúrgicas e razões destas escolhas: personagens ao redor de Descartes, episódios, locações de filmagem; os dois vértices: aventura humana agitada e aventura do espírito; aventura humana: vida militar, viagens, exílio, amores, paternidade etc.; aventura do espírito: descoberta do “método”, dúvida metódica, instauração da filosofia moderna contra a escolástica, estudos científicos e matemáticos;

 

* como o filme se inscreverá na obra do cineasta, como tema e forma? Lembrar nomeadamente de Evariste Galois;

 

* recito do próprio filme (roteiro escrito por Astruc) em linhas gerais.

 

2) Resumo da carreira do cineasta ilustrada por documentos, fotos, testemunhos. Apresentação por um historiador do cinema e conhecedor da obra e do homem.

 

3) Leitura por um (ou vários?) ator(es), em voz off, de seqüências do roteiro sobre imagens fixas ou animadas: paisagens (fotos, pinturas holandesas), retratos: Descartes, Pascal, a Rainha Cristina etc. (Não esquecer, se a utilização for possível: curto segmento de Rainha Cristina, de Rouben Mamoulian e com Greta Garbo, 1933).

 

4) Filmagem pelo próprio Astruc de uma ou duas seqüências de seu roteiro (em interior) com um ou dois personagens, no máximo. Exemplo: na biblioteca da Cristina da Suécia (seq. 7), o apartamento de Descartes na embaixada da França (seq. 19 a 29, a escolher), o “fogão de sala” de Descartes em Neubourg (seq. 46-47), sua casa em Amsterdã (seq. 61 a 63 ou 65-66), seu escritório em Sandport (“penso, logo existo”, seq. 84 a 87).

 

Michel Mourlet

(Traduzido por João Gabriel Paixão)

 

 

VOLTAR AO ÍNDICE

 

 

2012 – Foco