FAUBOURG ST MARTIN
por Louis Skorecki


(Faubourg St Martin). 1986. Les Films du Passage/Centre National de la Cinématographie (90 minutos). Produção: Paulo Branco. Roteiro: Jean-Claude Guiguet. Fotografia: Alain Levent (Laboratoires Éclair). Música: Sergio Tomassi. Cenografia: Jean-Claude Guiguet (não creditado). Montagem: Khadicha Bariha. Elenco: Patachou (madame Coppercage), Françoise Fabian (a marquesa), Marie-Christine Rousseau (Marie), Stéphane Jobert (Paul), Emmanuel Lemoine (François), Ingrid Bourgoin (Suzanne), Patrick Couet (André), Chantal Delsaux (Marianne), Valérie Jeannet (Valérie), Renaud Victor (o inspetor da polícia), Greg Germain (caribenho), Howard Vernon (o cliente mal-humorado), Philippe de Poix (o cliente indignado), Vincent Ducastel (o irmão de Paul), Paulette Bouvet (a passante), Marcel Gassouk (a florista), Jacqueline Noëlle (a cliente amável), Pierre Blain (o filho da marquesa).

Faubourg St Martin começa como uma história de amor e termina como uma canção. Clichês e refrões pontuam o belo melodrama delicado que acaba de realizar, após sete anos de desemprego forçado, um dos mais talentosos cineastas franceses, Jean-Claude Guiguet. Seu primeiro filme, Les belles manières, havia já instaurado a ambientação (pode o amor atravessar as barreiras sociais?). Faubourg St Martin faz mais: reinventa esse frenesi de felicidade, de canções sussurradas entre amantes magníficos, todo este pano de fundo sentimental e popular que fazia o charme dos filmes franceses do pós-guerra. Então, é retrô? Populista? Vecchialiano e “Diagonale” em excesso? Outra dessas histórias nostálgicas das velhas sessões de outrora, que já sentem o mofo? Nada disso. Faubourg St Martin consegue evitar as armadilhas do segundo escalão, da homenagem respeitosa às estrelas do passado (e às pessoas de idade), com uma inocência e uma desenvoltura que de imediato situam-no fora do tempo. Fora do tempo e da geografia: em um hotel quase insituável entre o Canal e o porto Saint-Martin, alguns seres de passagem vivem paixões breves e se narram. Eles falam entre si e, sobretudo, eles falam a ela. Ela, Patachou. Uma Patachou completamente inesperada num papel impossível de proprietária de hotel. Ao mesmo tempo mãe, confidente, cafetina, amante zen e cartomante, ela tem uma segurança que não víamos no cinema, desde, digamos, a de Anne Bancroft no último filme de John Ford, Sete Mulheres. Ela lança duas frases secas com a sua voz rouca e imediatamente o mundo desmorona e um outro é traçado. Como o fantasma das canções sentimentais que ela cantava e que Guiguet sabiamente deixou de lado, em alguma parte do plano de fundo do seu filme. Patachou não murmurará nenhuma música, nenhum refrão, não derramará suas lágrimas, e, no entanto, tomado pela dimensão mítica das histórias que o filme percorre na velocidade de um Fassbinder cocainado de oxigênio puro, este universo lá se encontra. Um inglês aristocrata esnobe reclama o tempo todo (é Howard Vernon), uma transeunte delira (Paulette Bouvet). Um velho senhor ajuda uma moça ferida. Porém, sobretudo, suas vidas ficam sob a proteção oficial de uma quarta pessoa com o improvável nome Coppercage (Coppercage é com certeza Patachou). No seu hotel, ela aloja, durante o mês, a marquesa (Françoise Fabian) que caminha em passos elegantes, talvez para dar de comer a seu filho de dez anos, talvez por tédio. Suzanne, uma cantora aprendiz de voz ácida (Ingrid Bourgoin, mais Arletty que nunca) e por fim Marie (Marie-Christine Rousseau), em vias de descobrir, no momento em que o filme começa, que o amor é uma coisa maravilhosa que nos projeta ao sétimo céu, mas que pode também, caso não se tenha cuidado, trazer-nos abaixo (sob a terra) rapidamente. O amor de sua vida é um belo rapaz robusto (Stéphane Jobert), o qual sabe falar às mulheres como Gabin nos tempos de sua juventude. Há evidentemente drama no ar, mas dele não diremos nada. Pensamos evidentemente em Simone Barbès. Faubourg St Martin constrói-se também em torno de uma tripla intriga feita dos amores dessas três mulheres diferentes, uma com o seu Romeu, a outra com um amante de passagem ou com o seu jovem filho, e a terceira com ninguém (o discreto personagem de homem-faz-tudo interpretado por Emmanuel Lemoine revela seu amor tardiamente, quando o filme já acabou). Mais uma miríade de mini-eventos emocionantes, musicais clássicos ou populares: um acordeão lírico sabe perfeitamente levar as imagens a cantarem o imprevisto, a canção surgindo num tour de force de último minuto: é a recepção de casamento dos dois amantes e Fabian se põe de repente, com uma doçura terrível, a cantar: “Ah! Eu sou o seu par, ah! Eu sou parecido com você!” A delicadeza melódica é tal que as palavras de Aragon cedem espaço à beleza incensada da música de Ferrat. Essas palavras de Aragon são, no entanto, a alma do filme: na cena mais bela, aquela na qual Patachou conhece pela primeira vez o jovem amante de Marie e deixa escapar num só fôlego que eles se parecem (“Nós devemos ser da mesma família”) antes de despedir-se dele com um “Vá! Volte amanhã”, que apenas pode destinar-se a um filho, um semelhante ou um duplo. É por ter sabido passar por essa inspiração de incesto carinhoso e de poesia que Guiguet, com quatro vinténs, obteve o mais belo filme visto em Cannes desde muito tempo.

(Libération, maio 1986. Traduzido por Matheus Cartaxo Domingues)


 

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