A RIBALTA
Sobre Les belles manières de Jean-Claude Guiguet, por Maxime Renaudin


A propósito deste belo filme de Guiguet, já se falou sobre a inteligência da relação entre seus dois protagonistas - como constitutiva de uma relação de classes - na intimidade de um jogo de seduções que aproxima corpos para sempre irreconciliáveis, o de uma atriz e o de um não-ator. Mas o rigor dessa exposição não nos afeta tanto como no momento em que ela parece se fissurar, quando ela se revela em todas as suas contradições, quando a contaminação dos corpos e das interpretações torna a alternância inevitável. Quando, em alguns movimentos que dão ao filme sua respiração no seu último terço, Camille é tomado pela consciência da sua própria representação.

Les belles manières nos dá a ver o nascimento de um ator (entendendo-se que não se trata aqui de Emmanuel Lemoine, mas sim de Camille), seu acting-out, segundo Pascal Bonitzer.

A assombrosa cena da penteadeira aparece como fundadora dessa jornada. Camille, abandonado à sua sorte - campo livre - num apartamento burguês que transborda signos externos de riqueza, descobre uma nova face, atravessada pelo rictus - infame e jubilatório - da duplicidade. Solene, mas bastante derrisória; horrenda (essas maneiras não são belas, a não ser para aqueles que desejam esquecer bem o que elas devem às mentiras), mas tão sedutora. Quando Camille interpreta (por) a si mesmo, em um exercício de representação, o desconforto é então um sentimento partilhado entre o abandono, como que aprisionado em um jogo que não desejava, e a suprema insolência de uma criança que descobre em si um novo poder. A violência surda da revelação não resulta em outra coisa que na fuga avante.

Em um gesto raivoso, Camille apaga em seguida a memória vergonhosa do abandono aos falsos sonhos de sua anfitriã, sonhos que não podem lhe pertencer - ou a que não pode deixar de submeter-se. O hiato na mise en scène marca aqui a violência da revolução em andamento com uma evidência frontal. Quando a cortina se abre, das próprias mãos de Camille, sobre um campo de ruínas imaculadas inundadas pelo fogo, é preciso ver seu rosto invadir o campo - como que carregado pelas chamas - no seu primeiro close de cinema. A partir de então, é ele, em seu corpo defensivo - no seu corpo sacrificado -, que dita à narrativa uma condução, que polariza a mise en scène.

A mudança induzida no olhar de Guiguet é, nesse aspecto, notável na seqüência final. Hélène Surgère, plantada naquele cenário improvável, é irremediavelmente uma estrangeira num mundo que escapa aos seus códigos. Filmada de costas, ela presencia - tolera, espectadora derrisória e impotente - a aparição final de Camille. Na sua performance final; a dos príncipes. O fora de campo, aqui estendido por uma potência inesperada, tenciona todos os olhares em direção ao triste e magnífico cadáver. Mas, afastado dos nossos olhos, o corpo já se ausenta, como que supérfluo. Desencarnado, Camille é, para sempre, um fantasma de cinema.

Anteriormente, ele terá provado, em um instante deliciosamente cruel, essa ambivalência de um corpo que já não é mais completamente seu. O tempo de uma constrição selvagem e ofegante, a continuidade do plano nos aspirando completamente rumo ao fundo desse olhar indecifrável que brilha na noite sórdida de uma cela. E que nos diz: “Eu não sei quem eu sou.”

(Traduzido por Bruno Andrade)


 

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