DOIS FILMES COM STEPHEN BALDWIN
por Miguel Marías


O SENTIDO DO MEDO (Absence of the Good). 1999. Brad Krevoy - Hess-Kallberg Productions/Absence L.L.C. (99 minutos). Produção: Brad Krevoy, Kevin M. Kallberg, Oliver G. Hess. Produção executiva: Jeff Ivers, David Bixler. Roteiro: James Reid. Fotografia: Ric Waite (Four Media Corporation). Música: Richard Marvin. Cenografia: W. Brooke Wheeler (p.d.), Laurie Scott (s.d.). Montagem: Barry Zetlin. Elenco: Stephen Baldwin (Caleb Barnes), Robert Knepper (Glenn Dwyer), Shawn Huff (Mary Barnes), Allen Garfield (tenente Paul Taylor), Silas Weir Mitchell (Jack Gaskin), Tyne Daly (dra. Marcia Lyons), Alex Warren (Julie/Sarah Quinn), Lesley Fera (Beth), Joey Miyashima (Childress), George Sullivan (xerife Burnett), Roger Callard (Evans), Elizabeth Barondes (Bailey), Brian Lee Bouck (Joe Marshall), Jenniffer Buckalew (Sheila Gaskin), Dalin Christiansen (sr. Gummer), Neblis Francois (jovem oficial), Andrew Fugate (Michael Barnes), Frank Gerrish (Roger), Robert Joseph (oficial da S.W.A.T.), Rob Joseph (oficial da S.W.A.T.), Janice Knickrehm (Agnes Thurmond), Cecile Krevoy (recepcionista), Britt Leary (Lynette Gummer), Tamie Lea Logan (Tracy), James Maitland (detetive Garcia), Cathleen Mason (sra. Gummer), Giselle Miller (Andy Wendt), Steve O’Neill (detetive Sloan), Rosalie Richards (sra. Kogen), Robby Robinson (balconista), Dennis Saylor (reverendo Steve), Hillary J. Walker (assistente do escritório), Michelle Wright (detetive).

TESTEMUNHA MORTAL (Protection). 2001. Alliance Atlantis Communications/Faulkner-Bibo Productions/Philena Entertainment/Schneider Film (96 minutos). Produção: Lee E. Faulkner. Produção executiva: Marc Forby, Patrice Theroux, J. David Williams, Ralph Bibo, Werner Bibo. Produtor associado: Clark A. Sammartino. Diretor de produção: Pierre Laberge. Roteiro: Jack Kelly. Fotografia: Marc Charlebois (Fujicolor). Música: Richard Marvin. Cenografia: Steeve Henry (p.d.), Daniel Carpentier (s.d.). Montagem: Robert E. Newton. Elenco: Stephen Baldwin (Sal), Peter Gallagher (Ted), Aron Tager (Lujak), Katie Griffin (Gina), Deborah Odell (Laura), Vlasta Vrana (Shimanski), Gary Fine (Mario), Brennan Delaney (Josh), Carlo Berardinucci (Joey), Amy Sobol (Jenny), Mark Camacho (Peter), Edward Yankee (Buzz), Olga Montes (Vanessa), David L. McCallum (Bud Barstow), Ian Finlay (Maynard), Tara Leigh (Felice), Danny Wells (Ryan), Manuel Aranguiz (sr. Ramos), Martin Neufeld (Davey Hicks), Tanya Anthony (Margot), Tony Calabretta (Rudy), Harry Standjofski (Angelo), Richard Zeman (detetive Lew), Norm Berketta (Ernst), Karen Cliché (Savannah), Tony Papa (Paulie), Ralph Santostefano (Teetz), Johnny Giamarella (vadio do cassino), Pascal Petardi (garçom), Bruno Rosato (vadio), Priscilla Mouzakiotis (Lorna), Nick Baillie (delegado #1), Mike Tsar (Eddie, o garçom), Jason Cavalier (atirador #1), John Walsh (atirador #2).

Surpreende a escassa atenção prestada em vida a John Flynn, apesar de ter desenvolvido sua relativamente curta carreira precisamente quando o cinema americano havia já entrado em fase de decadência e decomposição, e poucos diretores poderiam fazer concorrência à sua competência ou se aproximar de sua modesta excelência. No entanto, ainda hoje é provável que a muitos aficionados seu nome não signifique absolutamente nada, e que sejam incapazes de evocar um único título de sua filmografia; comprovei que, se alguém menciona um dos que mais aprecia, quase sempre ocorre que não apenas seus interlocutores o desconhecem, como também ignoram sua mera existência, mesmo nos raros casos (A Quadrilha, A Marca da Corrupção) em que estes filmes gozaram de um mínimo de popularidade. Isto se torna particularmente agudo no caso de dois dos últimos filmes que dirigiu, ambos interpretados por um ator muito subestimado, Stephen Baldwin, e que a meu entender estão entre os melhores que Flynn fez (ou, mais precisamente, que assisti, pois ainda não fui capaz de ver nem de rever todos).

Trata-se de dois filmes de gênero mais ou menos policial, apesar de abordagens e estruturas muito diferentes, de produção modesta e bastante obscura, rodados um em Utah e o outro no Canadá com financiamento germano-canadense, com técnicos e atores pouco conhecidos e que só muito raramente se repetem (ao contrário do que acontecia nos anos 30-60), sem dúvida devido ao quase total desaparecimento do “Studio System”. São dois filmes que de maneira nenhuma se apresentam como excepcionais, ainda que acabem por resultar singularmente individuais, e nada têm de produtos “em série”, embora, tendo em vista quase todos os gêneros relegados à TV, sejam dos que a crítica preguiçosa dominante desdenha sem entrar em detalhes com o epíteto depreciativo de “televisivas” (curiosamente, muitas vezes enquanto exalta e promove várias séries de TV muito menos interessantes e, sobretudo, menos esperta e contundentemente narradas).

Tanto O Sentido do Medo (1999) como Testemunha Mortal (2001) são exemplos hoje (e já em suas respectivas datas) excepcionais e quase incomparáveis em termos de eficiência, concisão, economia, agilidade, profundidade e elegância narrativa e dramática, que contam sem enfatizar o tom nem cair em sensacionalismo barato histórias extremamente interessantes e de desenvolvimento quase imprevisível e freqüentemente surpreendente, apesar de se enquadrar em subvariantes genéricas bastante convencionais. Com isto não pretendo fazer de John Flynn um “original” nem um “autor” ansioso para agitar, dissimulada ou violentamente, o jugo do conveniente e esperável, mas alguém capaz de se servir de tudo isso, sem nos molestar, para nos poupar de explicações prolixas e para mais tarde defraudar muito gratamente nossas expectativas passivas. Por isso não irritam as habituais subidas de volume e de graves da música, que anunciam um perigo ou uma revelação, e que depois de quinze minutos nos alertam e fazem concentrar nossa atenção, além de contribuir para que surja a tensão provocada pelo ritmo, pelos enquadramentos, pela decoração e os movimentos de câmera.

O Sentido do Medo, o mais antigo e fascinante dos dois, é também o mais ambicioso, uma vez que dele pode-se inferir uma sombria e pensativa meditação sobre a presença inexplicável do mal no mundo e a perpetuação dos crimes cometidos por aqueles já falecidos através de seus permanentes efeitos traumáticos nos vivos. Trata-se de uma reflexão implícita em quase todos os filmes sobre assassinos em série, que chegaram nas últimas décadas a proliferar até estabelecer-se como uma espécie de subgênero autônomo, mas raramente (talvez apenas em Fritz Lang, Alfred Hitchcock, Richard Fleischer) resultou tão inquietante e pouco maneirista ou pretensiosa como aqui. Testemunha Mortal trata, como tantos filmes desde os anos 50 em diante, da incômoda vida que aguarda uma “testemunha protegida”, mesmo se tratando de um caso muito particular, já que nem o personagem de bandido “natural” interpretado aqui por Baldwin (em um estilo muito diferente do empregado em O Sentido do Medo para encarnar um policial obsessivo) se arrependeu ou mudou sua visão de mundo, nem é - portanto - precisamente prudente; na verdade, nem sequer mudou de lado e se “traiu” seus antigos cúmplices ou superiores que testemunharam contra ele foi por puro instinto de sobrevivência, em legítima defesa, quando trataram de eliminá-lo.

Dois elementos comuns se destacam nestas obras da maturidade de Flynn, além de seu instinto de narrador: uma prodigiosa escolha e direção de atores e atrizes, graças a qual os personagens mais episódicos adquirem presença memorável e se definem com um par de gestos ou movimentos; e um senso do lugar como centro de atração de resíduos do passado, latente por muito tempo já transcorrido e que de alguma forma os converte (O Sentido do Medo) em espaços “assombrados” pelo vestígio fantasmagórico e inquietantemente sensível do crime ou então (Testemunha Mortal) o cenário perde sua função de raiz, na medida em que os protagonistas são forçados a se deslocarem continuamente e mudar superficialmente de identidade (nome, pois seu passado e seus reflexos nunca se apagam). Apesar de aparentemente opostos, os dois filmes de John Flynn com Stephen Baldwin são bastante complementares, como os seus protagonistas (policial e assassino de aluguel), e subterraneamente diagnosticam e analisam uma das causas do “mal-estar americano”: a instabilidade de seu modo de vida, esse movimento contínuo que não permite raiz ou descanso, pausa ou reflexão, e que às vezes deixa cicatrizes duradouras e em outras não deixa pisar em solo firme. Em todo caso, sem um futuro claro e aberto.

(Traduzido por Bruno Andrade)


 

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