LA VISITEUSE por Joachim Lepastier
(La visiteuse). 1981. Diagonale (10 minutos). Roteiro: Jean-Claude Guiguet. Fotografia: Georges Strouvé (cor). Músicas: Sylvia (Léo Delibes), Plus bleu que tes yeux (composta por Charles Aznavour; interpretada por Patachou). Cenografia: Jean-Claude Guiguet (não creditado). Montagem: Paul Vecchiali, Franck Mathieu. Elenco: Françoise Fabian (a amiga), Héloïse Mignot (Claire).
Onde está a vida em La visiteuse, curta-metragem (ou melhor, segmento do filme coral L’archipel des amours) de Jean-Claude Guiguet?
Seguramente, desde os créditos, na música desenvolta de sua abertura que parece anunciar o abrir de cortinas de um improviso sentimental. Pizzicato seguido de doce partitura para instrumentos de sopro. O tipo de atmosfera que introduzia as obras (falsamente) leves de Renoir ou de Guitry. E de fato, La visiteuse não esconde, tal qual esses dois gloriosos senhores, sua filiação ao teatro: décor único da sala de uma grande moradia, vitrine para duas atrizes, dois rostos, duas vozes.
Porém, logo surge a primeira imagem do filme para contradizer o impulso dessa serenata introdutória. Uma mulher deitada num sofá. Uma pose pictórica, mas não verdadeiramente lânguida. Uma mulher muito bonita, mas talvez de uma idade um tanto quanto madura para que fosse uma odalisca. Adormecida? Entregue ao seu sonho secreto, ou mesmo morta? Postamo-nos receosos. A música elegante chega a suas últimas notas. “Onde está a vida?” continuamos a nos perguntar. Já se esvaneceu? Chegamos tarde demais? Por algumas frações de segundos, tememos.
De súbito, a vida retorna. A campainha acorda a mulher lânguida, que se levanta num passo vigoroso e acorda o gato que dormia ao seu lado. O salto do felino merece um plano só seu, animando um interior digno de um quadro de Vuillard onde o verdadeiro sentimento de conforto nasce de sóbrias descrições gráficas e de um caloroso equilíbrio de cores.
Por que insistir a respeito desses planos, o prólogo de um filme que já é curto (não mais que uma dezena de minutos)? Porque eles instalam logo uma nota que o resto do filme modulará com uma ressonância inacreditável.
Essa nota é aquela duma vibração à espreita no sono, secreta demais para que seja partilhada, uma vibração sentimental que pensávamos não mais poder sentir e que nós (re)descobrimos com doçura e dor, de uma só vez. Manifesta e secreta, esta vibração toma posse de si mesma, mas não se revela prontamente. Ela irradia aos poucos a tela (até o último olhar comovente de Françoise Fabian), mas permanece intrinsecamente ligada a um pudor natural que a impedirá de demonstrar (mesmo a ela própria) a manifestação desse afeto.
Para que isso tome sua magnitude, é necessário ser levado pelo testemunho do reencontro entre essas duas mulheres no momento decisivo de suas vidas sentimentais, a “visitante” e a “visitada” (por esta vibração inefável). Entre essas duas mulheres, o diálogo é franco em aparência. Chega-se às confissões de sofrimentos e rupturas, mas “sem se fazer maneiras”. De fato, o diálogo, simples, afiado e profundo como as melhores letras de músicas, procura fazer com que as palavras passem os males. O discreto hieratismo instalado pela palavra é justamente refutado por uma câmera mais alerta do que parece, ávida de travellings de reenquadramentos que se assemelham a passos conduzidos, acompanhando os deslocamentos das duas mulheres, mas sobretudo apaixonada por denotar as expressões de suas faces. À pequena peça teatral tecida pelo roteiro, a mise en scène responde com uma discreta variação pictórica alternando instantâneos domésticos e retratos fugidios. A série de variações perceptíveis sobre os rostos desenha ela mesma a geografia em movimento de uma emoção que veio colonizar duas almas. Às barreiras íntimas instituídas pelas palavras que se aproveitam de não terem sido jamais tomadas pelo peso dos sentimentos, responde a sutil coreografia dessa ressaca emotiva que progressivamente corrói até as defesas mais assertivas. Desse balanço nasce a mais simples mas também a mais arrasadora das conversões. Aquela que dominava os sentimentos se deixa levar por eles, enquanto que aquela que pensava estar destruída por uma dor de amor terá a certeza de poder um dia amar de novo.
E se precisamente La visiteuse fecha com um dos travellings mais pungentes que já se viu, é porque esse movimento de câmera parece movido por uma respiração exata. Perfeitamente acordado ao ritmo da canção que a heroína escuta, ele surge sobretudo portado pelo sopro de um renascimento. Em dez minutos que passam num flash, eis um filme que mobiliza o melhor do teatro, da pintura e da música para retratar o mais indizível dos encontros: um novo face-a-face de si mesmo com seus próprios sentimentos.
Onde está a vida em La visiteuse? Nesse último movimento de câmera e nesse último olhar que nos toma por testemunhas de um fato que ignorávamos: sim, as estátuas também choram[1].
Nota:
[1] Referência ao documentário de Chris Marker e Alain Resnais, As Estátuas Também Morrem (Les statues meurent aussi, 1953) [n.d.t.].
(Traduzido por Matheus Cartaxo Domingues)
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