UMA RUA SEM VOLTA, Samuel Fuller, 1989
por Jean-Claude Guiguet
Numa luz de fim do mundo, um homem sem idade contempla o horror de olhos bem abertos. Ele está sozinho, desprotegido, desembaraçado de todos os falsos pretextos atrás dos quais nos escondemos para dar a ilusão de existir. Carregado por um pesadelo, atravessando perigo em perigo até a conclusão de um happy end gratificante mas enganador, ele se encontra face ao inelutável que o cerca, perseguido pelo tempo, esse inimigo invisível. Talvez esse homem esteja já do outro lado da vida, nesse espaço imemorial povoado de sombras do qual ninguém jamais retornou.
As figuras humanas que povoam esse filme, a vida que as anima, o mistério de suas presenças obstinadas num universo que insiste em destruí-las, suas solidões - esse reino secreto que flutua em torno delas - dão a Uma Rua Sem Volta “um ar de eternidade que passa”, para retomar as palavras de Genet a propósito das estátuas de Giacometti.
Tudo aqui é extraordinário. Vemos na obra a grandeza do cinema em estado puro: uma iluminação fulgurante produzida pela relação conjugada das imagens e dos sons dispostos numa ordem que escapa ao controle da análise, mas da qual o fortuito revela a existência de uma realidade indizível do mundo. Numa época em que os realizadores aplicam sobretudo seus talentos às suas carreiras, Samuel Fuller dá sem nenhuma fanfarronice uma magistral lição de cinema.
Os fabricantes megalômanos de hoje em dia seriam bem inspirados se olhassem com atenção Uma Rua Sem Volta. Há muito a se aprender sobre a verdade do cinema. Mas tudo não é disposto hoje para o triunfo do simulacro? Foi-se o tempo em que se defendia o verdadeiro contra a impostura. As revistas de cinema especializadas de grande tiragem não são mais que um meio de transmissão onde a redação não é mais que o eco servil do poder financeiro. Chega-se a situações extravagantes que atingem o cúmulo do grotesco, a exemplo da promoção do recente filme de Bertrand Tavernier sobre o cartaz do qual pode-se ler em caracteres gigantes que chegam a anular a percepção do título: UM MONUMENTO! Receberemos passivamente o comentário de um filme antes mesmo de havê-lo visto, como se aceita ineptos ditirambos sobre produtos cuja realização é inacabada e às vezes nem ainda iniciada? Quando se aplaude antecipadamente filmes que não existem, não está na ordem das coisas de não ver nada diante de obras tão reais e completas como Uma Rua Sem Volta? Muitos são reconfortados pela unanimidade crítica. Enganam-se. O número santifica, como recorda Chaplin com derrisão em Monsieur Verdoux. A unanimidade se faz na maioria das vezes pela injustiça e o erro.
A partir de um romance de David Goodis diabolicamente construído, o grande Fuller - Anjo do Mal, Casa de Bambu, A Lei dos Marginais, Mortos Que Caminham, Paixões Que Alucinam, O Beijo Amargo - se entrega a um corpo-a-corpo deslumbrante com o cinema e sua matéria. Correndo todos os riscos, escapando das armadilhas, ele reconstrói sobre a convenção e respeitando escrupulosamente as leis do gênero, um mundo na medida de sua visão e conformado ao que se deve nomear de poética. Fuller nada tem a provar, sobretudo sua mestria! Observando de bastante perto seus personagens sem jamais se olhar filmando, ele atinge o coração do mistério das coisas e dos seres. A tela é atravessada por fulgurâncias que mais ninguém hoje em dia é capaz de captar com um tal gênio visionário, à exceção de dois ou três nomes. Fuller mostra tudo: ao mesmo tempo o interior e o exterior, a forma e as entranhas, o que é e o que poderia ter sido, os vivos e os mortos juntos no mesmo eixo, no mesmo movimento. A vítima e o carrasco no mesmo travelling, como esse plano indescritível de beleza e de horror que nos mostra Keith Carradine agonizando, a garganta cortada no chão do hospital, enquanto o veículo do seu assassino desaparece na noite. O filme é repleto de momentos como esse, inspirados, exaltantes, extraordinários de simplicidade e invenção. As figuras estilísticas mais consumadas e mesmo as mais retóricas, desvitalizadas por terem sido utilizadas indiscriminadamente, como a da câmera lenta, o cineasta é capaz de reconduzir à luz do sentido e da vida. Tudo no cinema é sempre possível, à condição de propor as questões elementares necessárias e de encontrar as boas respostas: onde, quando, como, por quê?
Mas Samuel Fuller se coloca verdadeiramente essas questões? Mais certamente, um instinto infalível guia seus atos, interditando-lhe aqui toda complacência para com a violência que encena como um contraponto rítmico que incita o desencadeamento espetacular da brigas de rua rumo à concisão coreográfica: lá, acordando o tempo de uma pausa na emoção que procede da beleza de um gesto; em outro lugar, é com uma compaixão e uma compreensão infinitas que filma seus personagens, esses homens e essas mulheres que não sabemos mais se pertencem ainda ao nosso mundo ou se já assombram o reino dos mortos.
Eis o que está em questão no último filme de Samuel Fuller. Com, em primeiro lugar, o amor intacto, juvenil e louco de um velho homem pela sua arte, pela qual deu depois de cinqüenta anos o essencial de sua energia, e da qual falam por todos os cantos que está morta. Quando não se aplaude mais que a sua contrafação, não é de surpreender um tal equívoco. O cinema não pode morrer, ao contrário daqueles que assistem-no. Em Uma Rua Sem Volta há essa intuição de que nada morre, e se é possível que alguma coisa ou alguém sejam mortas, então estamos todos mortos. E é essa certeza que atravessa o filme como um leitmotiv incandescente: a cegueira não chega a impedir a luz.
(Études, outubro 1989)
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