MULHERES À BEIRA DE UM ATAQUE DE NERVOS, Pedro Almodóvar, 1988
por Jean-Claude Guiguet


Esta comédia madrilena é o filme-evento deste começo de ano. Os dez primeiros minutos são impressionantes: rapidez de execução, ritmo impecável, originalidade dos enquadramentos, senso de observação. Num estúdio de gravação, dois atores da televisão local emprestam suas vozes a Joan Crawford e Sterling Hayden para a versão espanhola de... Johnny Guitar de Nicholas Ray, um dos mais belos filmes do mundo. Esses atores são amantes e irão desfrutar desse dia para romper ruidosamente - e dolorosamente - do lado feminino, daí as lágrimas, daí os nervos, daí a crise. Ligeiro, grave, burlesco, às vezes até bobo, o começo de Mulheres à Beira de um Ataque de Nervos é deslumbrante. Decorridos esses minutos de euforia, nós experimentamos um imperceptível, porém bastante real, sentimento de frustração, um mal-estar comparável àqueles estados comatosos que sucede uma intoxicação ou a um excesso de medicamentos dopantes. Perguntamo-nos então por qual truque de mágica fizeram-nos acreditar por um instante que se poderia pós-sincronizar hoje na Espanha um clássico do cinema hollywoodiano dos anos cinqüenta. Esse anacronismo não é grave, mas ele aparece no entanto como uma pedra na qual se tropeça e que arrisca revelar outras.

O humor, a fantasia, a insolência que punham a ação em alta velocidade começam então a se abrandar, a repetir os mesmos tics, a produzir figuras retóricas. O palco muda de cor, mas nos servem dos mesmos pratos. A matéria cinematográfica, antes tão fresca, é em seguida trocada pela estética do recolhe-migalhas. Ainda é engraçada em alguns momentos essa acumulação dos clichês da publicidade, do videoclipe, do teatro de rua, da comédia de situação, da gag televisiva. Mas essa arte demagoga irrita, na medida em que os dons de Almodóvar se empenham em girar sobre eles mesmos, exaustos, à beira do vazio. Temos a impressão de ver o espectro do realizador alucinado e como que atordoado em meio ao seu brechó depois de ter sido por um instante o mestre de obra inspirado. O que há de bom nisso tudo? Qual proveito tirar? O evento midiático deste começo de ano no fim das contas decepciona. Nós nos irritamos porque Pedro Almodóvar, talentoso como ele é, é muito melhor que todo esse barulho por pouca coisa. E lembremos, para finalizar, a palavra de Ravel sobre uma obra da juventude de Francis Poulenc: “Ele tem todos os dons, desde que os trabalhe!”.

(Études, abril 1989)


 

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