A MOCIDADE DE LINCOLN, John Ford, 1939
por Jean-Claude Guiguet


O anúncio publicitário que o acompanha nos diz que A Mocidade de Lincoln é “o único filme” que Eisenstein amaria ter feito. Tem de ser! Trinta anos antes das obras-primas do seu período final - infelizmente ainda ignoradas pela maioria - que são Crepúsculo de uma Raça, O Aventureiro do Pacífico e Sete Mulheres, Ford já tem o mesmo olhar sobre os seres, a mesma soma de amor por tudo o que vive, sofre e morre, a mesma força de contemplação da calma serenidade do mundo. John Ford já era o grande Ford em 1939, como ele já era ele mesmo em 1924 com The Iron Horse.

Se tudo aqui tem a força da evidência, tornando todo comentário desastrado, é que John Ford apreende a vida pelo que ela tem de mais simples e de mais raro. Ele é o cantor do Essencial. Se sua arte oferece o sentimento da vida, é porque John Ford não viola a intimidade dos seres e das coisas, mas sabe sempre esperar com paciência e humildade pelo momento onde essa intimidade canta e se mostra. Assim o discurso lhe importa menos que o silêncio, e se discurso há, é ainda, é sempre com as palavras mais simples que os seres se revelam o mais profundamente. O tato e o respeito para com os outros estão na origem desta atitude moral em face dos personagens, atitude que determina a qualidade do olhar e assim a da expressão formal, que é menos um caso de técnica que uma questão de visão. A evidência nasce aqui da simplicidade; simplicidade com a qual Ford concilia, entre outros exemplos, o ritmo das estações ao dos corações num simples movimento unânime, como o longo travelling seguindo a caminhada de Abe e Ann sobre a margem do rio, onde a luz, a água, as árvores se unem para dar àquela conversa entre apaixonados a intensidade de um minuto único, até que a presença da morte e da dor substitua essas imagens bastante luminosas pela seqüência mostrando Abe, no inverno, meditando sobre o túmulo da moça morta há tempos.

Perceptível de uma maneira evidente em tais momentos, acha-se nesta obra o sentimento que colore toda a obra de Ford em profundidade: a tristeza. O bom humor jovial de alguns personagens, os minutos de alegria que eclodem naqueles bailes e festas não são nessa obra mais que breves momentos de repouso miraculosos entre a amargura, a dor e o luto, que tecem o fundo da existência cotidiana. Se há poucas obras tão majestosamente tristes como esta aqui, é por haver poucos olhares tão lúcidos como o de John Ford. Os erros que cometemos com freqüência acerca dele não têm outra origem que nessa mania de trazer ao nosso nível, por despeito ou por loucura, as perspectivas de um universo que nos ultrapassa. Como se ousa falar de otimismo a propósito desse filme o tempo inteiro sacudido pela luta incessante da razão contra a perplexidade de um povo ainda dominado pela força do instinto? Como esquecer as imagens finais de Lincoln saindo de campo pela direita enquanto a tempestade preenche a tela em contraponto visual à entoação de Battle hymn of the Republic?

Uma última palavra sobre a violência e o crime; há neste filme uma seqüência que é uma síntese do cinema pela maneira que Ford ultrapassa o fato relatado: a do assassinato na clareira. Pela organização do espaço, a disposição dos personagens em relação à multidão e a utilização do som, o disparo que soa naquela noite não repercute somente numa noite de comemorações localizada num tempo e espaço, mas no Universo inteiro.

(Saison cinématographique, 1970)


 

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