O MESSIAS, Roberto Rossellini, 1975
por Jean-Claude Guiguet
A história do Messias contada por Roberto Rossellini começa 1.050 anos antes do nascimento de Jesus, quando as tribos de Israel chegam à terra de Canaan. Vivendo ainda sob as tendas de uma existência rudimentar e patriarcal, eles entram em conflito com os Filisteus, cuja vida é radicalmente diferente. Eles conhecem o luxo, a opulência, e também a guerra. Maravilhados por esse exemplo, os Israelenses exigem um rei ao seu chefe Samuel que lhes diz: “Cuidado, um rei significa alguém que pegará seus filhos para alistá-los no exército, suas filhas para perfumar seus corpos e trabalhar nas cozinhas, ele tomará o dízimo das culturas... etc.” Enquanto os Israelenses esperam a vinda do rei que os submeterá ao seu poder como um patrão onipotente, os profetas anunciam o Messias, isto é, o homem-rei que trará a Justiça.
Desde a abertura do filme vemos em que direção se delineia o sentido do trabalho de Rossellini na leitura dos Evangelhos. Por trás da iconografia estereotipada de um saber imposto de uma vez por todas pela tradição, o cineasta evidencia algumas verdades essenciais mais do que nunca atuais como esta freqüentemente repetida por Jesus: a lei é feita pelo homem e não o homem pela lei. Esse exemplo escolhido entre muitos outros define a orientação de Rossellini e precisa a escolha de suas opções voluntariamente pedagógicas. O que deseja o autor de Roma, Cidade Aberta, que há mais de dez anos abandonou o cinema de ficção, é colocar um pouco de ordem na confusão dos conhecimentos e um pouco mais de seriedade na prioridade do saber. “Nós cremos conhecer tudo mas não sabemos de nada, repete prontamente Roberto Rossellini. Estamos cheios de ignorância. Eu gostaria de instruir excitando a curiosidade do público. Infelizmente, hoje só pensamos em nos divertir. Essa loucura da diversão é revoltante. É a pior das alienações.”
Querendo trazer, à sua forma, alguns remédios para a ignorância, Rossellini permanece com O Messias o grandessíssimo realizador que nós conhecemos. A acuidade de seu olhar é ainda uma das principais virtudes de seu poder de análise e investigação. A cada plano ele sabe restituir aos objetos, aos cenários, aos rostos a qualidade de seus sentidos originais. Magistralmente inscrito na realidade sensível e física do mundo, a mensagem de Cristo parece ressuscitar após dois mil anos piedosamente embalsamada. Reencontra-se aqui o calor do deserto, a força do vento, o canto dos pássaros, o barulho das cigarras e todos os murmúrios da natureza, mineral ou vegetal. A beleza nasce dessas descrições meticulosas, desses longos planos-seqüência conduzidos por um virtuose da câmera, sempre maleável, onipresente. O nascimento em Belém, a pesca no lago Tiberíades, o jardim das Oliveiras ou o Calvário são extraordinários momentos de cinema inspirado. Há gênio em alguns achados, como a juventude inalterada de Maria. Magnífica intuição de Rossellini que torna tão possível o difícil postulado da Imaculada Conceição. O tempo não atinge esse maravilhoso rosto de jovem garota com o qual o filme se conclui, rosto simultaneamente fora do tempo e contemporâneo como o ensinamento sempre atual dos Evangelhos, face aflita também pela dor silenciosa diante da agonia do homem crucificado.
(Nouvelle Revue Française, maio 1976)
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