LA GUEULE OUVERTE, Maurice Pialat, 1974
por Jean-Claude Guiguet


O último filme de Maurice Pialat atinge o limite do pessimismo mais radical. Depois da falência da infância (A Infância Nua) e do fracasso do amor (Não Envelheceremos Juntos), La gueule ouverte é o filme da agonia, da decomposição e da morte. Em três filmes, Maurice Pialat não perdeu muito tempo, pois estes três ensaios são verdadeiros êxitos e constituem ao mesmo tempo três etapas decisivas.

La gueule ouverte aproxima-se do tema de Gritos e Sussurros de Bergman, porém dificilmente fará a mesma carreira e não excitará muito a pluma dos cronistas em virtude desta simples razão: a beleza desapareceu. Pialat recusa o socorro desse último obstáculo. Contrariamente a Bergman, Maurice Pialat não espera nada mais da vida do que a própria vida. Ele rejeita a ilusão da arte e a contemplação do seu próprio exercício. Bergman transfigurava os cenários, os objetos, as cores e os sons. Pialat os mostra tais como são, mas o poder expressivo da sua constatação é tal que os supera, a despeito de si, a despeito de tudo. Impondo uma visão precisa, naturalista, ele faz nascer à sua maneira um terror não mental (Bergman) mas físico. O formidável impacto do filme de Pialat, é necessário atribuí-lo à sua recusa da arte. Sua força reside na banalização. Ele joga a carta da platitude e é o relevo que atinge. Assim, esses longos planos-seqüência admiráveis de densidade permanecem forçosamente prosaicos, como essa cozinha com a sua desordem de garrafas vazias, potes, papéis sujos e cascas. Pialat permanece constantemente no nível das coisas, na altura exata do olhar que determina a escolha simples do quadro ou do ângulo. Se ele não “faz belo”, também não acrescenta muito à feiúra e à miséria. Cada plano, cada seqüência, cada movimento adquire assim uma evidência extraordinária, uma presença que nunca parece ser o resultado de uma pesquisa ou de uma longa alquimia. O gênio de Pialat é o menos artístico possível. Dir-se-ia que esta é a culminação da arte... Certamente.

Esse método, ou na verdade essa abordagem das coisas, já se fazia notável em Não Envelheceremos Juntos e nesse magnífico folhetim para a televisão: La maison des bois.

Em La gueule ouverte (nota-se pela escolha do título), a morte não será em momento algum magnificada ou sublimada. Ela se apresenta como uma perturbação banal, acidental mas horrível no seu curso clínico inevitável, nesta deterioração física que causa ao organismo, bem como na atitude de retiro que imprime no comportamento daqueles que a observam em trabalho.

No aspecto visual, a intervenção do realizador consiste em podar tudo o que poderia distinguir um estilo particular, como se sua vigilância consistisse antes de tudo em repelir o subsídio da arte cinematográfica com tudo o que a expressão comporta de exacerbação retórica. Assim, o filme choca, atordoa, obceca e perturba por não se apresentar jamais como um engenhoso objeto caprichoso para seduzir, mas como um “pôr-se a nu” que seria também um “pôr-se à vida”. Impossível aqui de se agarrar ao lenço ou de derramar lágrimas em companhia de um músico de renome universal. Se Philippe Léotard faz com que sua mãe escute Mozart, é por preferir “meter um disco” para interromper uma comunicação que arriscava se tornar uma comunhão.

O que habitualmente os filmes se recusam a ver, eliminam ou esquecem, o cineasta de La gueule ouverte não apenas coloca em evidência sob nossos olhos, como examina atentamente numa mise en scène que recusa todas as astúcias do formalismo. Desde os primeiros segundos do filme, nós somos postos em presença não de um vago procedimento médico, mas de uma sessão de radioterapia com cobalto. A partir desse instante, a inquietude entra em cena, consolida-se sem jamais desviar a atenção de seu objeto. O que a banda sonora anuncia (por exemplo, Philippe Léotard dizendo a Monique Mélinand: “Isto não é nada, você nunca teve tanto apetite”), a imagem o contradiz (a doente só consegue engolir um iogurte depois de dez minutos de penosa deglutição). E assim em diante até a fatalidade e além. No entanto, Maurice Pialat não visa qualquer espécie de demonstração. Ele não constata numa única direção. À unilateralidade que tanto pesa sobre o fracasso de todo um cinema contemporâneo, ele prefere a simultaneidade. Ao mesmo tempo do declínio e da agonia, ele mostra a busca frenética, obsessiva, os prazeres egoístas dos parentes mais próximos daquela que morre - o prazer triunfante trazendo consigo sua própria ruína. Nesse estado, o autor poderia tirar proveito dessa ruína e conduzi-la à maneira de um processo até ela obter o peso de uma prova, a espessura de uma culpabilidade. A mise en scène recusará até o fim essa facilidade. Ela retira do espectador a escolha de um refúgio e confronta-o impiedosamente com suas próprias e irrepreensíveis contradições.

Quando a mulher de Hubert Deschamps morre, o marido infiel que nunca soube olhar verdadeiramente essa mulher morta sem um sonho entra em colapso e chora feito uma criança perdida. E se depois ele escolhe uma segunda esposa[1], o exemplo do que aconteceu à primeira não modificará em nada seu comportamento. Ao culto da lembrança, Pialat responde pelo fantástico travelling para trás que se distancia no passado, a casa fúnebre, a vila, toda a paisagem, já em ruínas, absorvidas para além da linha do horizonte. Do que fogem a toda velocidade Philippe Léotard e sua jovem esposa não é apenas da lembrança da mãe falecida, nem do sentimento desagradável de ter lançado o pai à solidão. É da certeza de sua própria morte. Mas eles não o sabem. Se nós temos olhos para ver, nós, espectadores, o sabemos.

A força do filme e a importância de Maurice Pialat não residem no que foi dito, mas no que foi mostrado. Melhor: de nos fazer pressentir em algum lugar do nosso ser físico.

Nota:

[1] E se depois ele escolhe uma segunda esposa, o exemplo do que aconteceu à primeira não o modificará em nada...

(Revue du cinéma, junho/julho 1974)


 

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