EL SUR, Víctor Erice, 1983
por Jean-Claude Guiguet
Os créditos de El sur se inscrevem sobre uma tela escura. Títulos que nascem e se apagam, ritmando a exata medida de um tempo puro. Um cão late por muito tempo, enquanto a alvorada esboça sua presença na espessura da noite que se torna mais incerta. Esta é a abertura do novo filme de Víctor Erice, autor do já memorável O Espírito da Colméia.
Nada de mais simples, aparentemente, que essa abertura. Tão simples como a história dessa jovem que refaz o percurso do tempo, do seu nascimento à morte de um pai carinhosamente amado.
Ao mesmo tempo próximo e misterioso, é em torno dessa imagem ambígua do pai que o filme se desenvolve. Essa imagem, verdadeira figura emblemática da obra, não altera no entanto o equilíbrio dos elementos estabelecidos. Se o sentido não se exibe, ele também não se declara. Percebe-se somente o traço poético de sua passagem, e não a prova. O milagre dessa sutil harmonia também deve à sobriedade de uma escritura sem afetação, na precisão de um olhar jamais condescendente. Dessa economia formal que não é penúria, mas sim condensação, arrouba o gênio expressivo de Víctor Erice. Por exemplo, um único plano geral repetido, como uma rima ao longo das estações, basta para inscrever a Espanha eterna: uma cidade de granito numa paisagem de uma aridez terrível, uma água estagnada, nuvens que pairam num céu banhado pelo sol do verão, pálido como um cadáver no inverno... Nesse mundo, o homem não possui outros refúgios a não ser a solidão profunda, o sonho louco ou a espera da morte. Artesão paciente, atento, obstinado como Cézanne diante da penhasco do monte Sainte-Victoire, Víctor Erice abre uma via notável, sustentada por planos duros e tensos onde se concentra uma emoção indizível.
Finalmente um homem, um cineasta em contato direto com a vida não se contenta de vigiá-la do alto de um picadeiro de parque de diversões. Distante de todos esses falsos grandes filmes onde o arbitrário e o evanescente se juntam para nos dar um espetáculo de deslumbrantes exibições, El sur cintila um brilho singular único. Se você ainda crê no cinema e muito menos em suas pálidas imitações, assista a esse filme antes que os anjos caiam sobre a sua cabeça e o façam perdê-lo para sempre. Certas derrotas são definitivas.
(Pariscope, janeiro 1988)
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