O CONFORMISTA, Bernardo Bertolucci, 1970
por Jean-Claude Guiguet


A recepção que as revistas e jornais de esquerda reservaram ao Conformista foi traída por um desconforto, um aborrecimento, uma irritação que dissimulavam mal os motivos invocados. Os historiadores não encontraram o que haviam aprendido sobre o fascismo na Itália; os sociólogos discordaram sobre o isolamento do caso particular representado por Clerici; os politizados se viram contrariados porque Bertolucci era muito artístico para seus gostos e não suficientemente revolucionário; em suma, todos entraram mais ou menos em acordo sobre a estética decadente do filme que causou a unanimidade das reservas. Mas não teremos sido constrangidos profundamente pelo retrato desse homem que a tela nos apresenta freqüentemente como o espelho de nossa própria imagem? Não temos intimamente a certeza que não basta ser um homem de direita para ser um conformista? Optando por uma causa a mais generosa possível, tem-se a certeza de que ela nos esclarecerá a nós mesmos? O filme de Bertolucci foi feito menos para provocar uma satisfação intelectual nos não-conformistas que para descobrir neles o conformismo latente.

Este filme é a exploração de uma consciência. Uma consciência vulnerável, enfraquecida por um desejo de simplificação sempre contrariado e posto em questão como a própria vida. A ideologia fascista é antes de qualquer coisa um refúgio; ao optar pelo partido da ordem, Clerici subordina sua desordem íntima aos contornos de um sistema fechado sobre si mesmo sem perceber que ao dissimular dessa maneira sua verdadeira personalidade ele a revela ao seu conhecimento, trazendo à luz o tormento que envenena sua existência: sua fundamental passividade. Ao reduzir a algumas fórmulas a extrema complexidade da vida, ele passa ao largo da sua e das dos outros. Ele não é mais que uma máquina agindo de acordo a decisões decadentes, de um poder arbitrário que não discute até o dia em que é encarregado de executar um homem que havia em outra época conhecido e admirado.

Para criar coragem Clerici ensaia numa primeira fase justificar sua queda voluntária no seio de um partido de extrema direita. Nessa primeira parte, Bertolucci expõe os fatos que determinam a escolha das opções políticas do seu personagem. Essa exposição não é uma adesão: se Clerici dramatiza excessivamente os eventos do seu passado, do qual foi ao mesmo tempo a testemunha e a vítima, o cineasta permanece afastado desta dramatização pela estrutura de sua mise en scène - ênfase, estilização dos cenários, teatralização das situações - que estabelece um distanciamento entre a visão subjetiva de Marcello Clerici e o olhar objetivo, irônico e lúcido da câmera que filma. Bertolucci e o espectador não podem e não devem ser enganados pela história que Clerici se conta. Não é porque seu pai é louco, sua mãe se droga ou que foi vítima, ainda criança, de um homossexual, que ele se torna fascista. Essas razões não são mais que maus pretextos. A verdadeira razão é muito mais a negação de sua fraqueza inicial diante da vida, dos seus testes e do sofrimento difuso que eles criam. Viver é aceitar suas próprias contradições e suas desordens, quaisquer que sejam os sofrimentos suscitados, pois o reconhecimento dos outros não pode desaparecer senão pelo sofrimento. Ao preferir enterrar no fundo de si o que lhe incomodava, Clerici se torna um autômato, uma máquina de matar. O sangue-frio é uma virtude suspeita.

A aparição de Anna - Dominique Sanda, magnífica! - irá perturbar o mundo frágil das teorias e dos preconceitos. É neste momento preciso, com a descoberta da vida e o reconhecimento dos outros, que Bertolucci se aproxima de sua obra suficientemente a ponto de se tornar um com ela. A chegada de Dominique Sanda cria um verdadeiro choque, um feitiço: sentimos bruscamente, em meio a todos esses moribundos, a presença de uma alma, a densidade de um olhar, a avidez de uma boca, a sensualidade de uma linha de quadril. Esta jovem assume com um brilho fabuloso todas as potências contraditórias e desordenadas da vida. Contrariamente a Marcello, que é um pederasta arrependido e camuflado, Anna descobre sua sexualidade naquilo que Clerici chamaria suas desordens ou sua tara. Ela representa uma imagem dele mesmo florescida e serena, maravilhosamente disponível e aberta aos outros; consciente do preço da vida, ela se empenha em lutar contra a opressão e a injustiça. Isso é tudo o que Clerici irá destruir.

A seqüência da morte de Anna é o ponto culminante do filme e um dos maiores momentos que já nos deram a ver sobre uma tela. Quando o discurso político cessa e a análise clínica de um caso é afastada, a obra atinge então uma dimensão universal. Esses gritos de dor, esse medo, esse corpo soberbo de mulher que se abate como uma besta, nós os recebemos como a visão de um crime do qual o horror se repercute até o fundo de nós mesmos. A partir desse momento pode-se ser tomado por uma dúvida atroz: se nós estivéssemos no lugar de Clerici, não nos recolheríamos também na sombra de um carro, não teríamos esse reflexo de tapar nossas orelhas para não escutar esses gritos de dor dos quais o eco interminável nos lembra que há sempre uma culpa que é nossa?

(Saison cinématographique, 1971)


 

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