CLEÓPATRA, Joseph L. Mankiewicz, 1963
por Jean-Claude Guiguet


Joseph L. Mankiewicz formulou à noção de espetáculo questões decisivas em um filme magistral: Cleópatra. Após ter sido vilipendiado na época do seu lançamento em 1963 e desdenhado por aqueles que nem mesmo o haviam visto, o filme de Mankiewicz é atualmente o objeto de um relançamento. Entre tantas apoteoses pretensiosas mas sem amanhã, eis enfim uma obra importante que pode ganhar seu processo em apelo.

Acreditou-se por muito tempo que as maiores virtudes do autor de A Condessa Descalça haviam sucumbido sob os dólares de uma super-produção que além de tudo arruinou a poderosa Twentieth Century Fox. É próprio dos grandes cineastas serem capazes de se preservar da influência negativa do dinheiro. O espetáculo em Cleópatra se encontra sempre afastado do gosto particular que distingue os novos ricos. De resto, Mankiewicz não serve ou deixa de servir os capitais disponíveis, apenas conduz o filme rumo ao sucesso. Hoje, quando todos os cineastas possuem gênio antes de forjar talento, Mankiewicz se apresenta primeiramente como um artesão apaixonado e escrupuloso. Com uma convicção e uma determinação que não se curvam, ele imprime subrepticiamente sua marca sem pressão nem violência. Rapidamente a obra desenha nos sutis desenvolvimentos de seu esplendor formal uma reflexão lúcida e ativa sobre a arte da mise en scène. Reencontra-se também em Cleópatra, e isso desde a abertura, o humor inimitável de Mankiewicz e o olhar irônico de um homem que se regozija em contemplar a vaidade das paixões humanas. Notamos de passagem, em tal atitude de Liz Taylor, a distinção elevada de Gene Tierney, a heroína de O Fantasma Apaixonado, e nas sombras que rondam sob as palpitações parasitas de uma luz que o desgaste da película já afetou, a presença da morte e da decomposição que cercava a conclusão de De Repente, no Último Verão. Notemos por último que o espetáculo, mesmo quando atinge a grandiosidade, não é jamais dado aqui como um fim em si. É a dramaturgia que projeta visualmente no espaço os elementos necessários à sua expansão, e ela apenas. É impossível tomar o trabalho de Mankiewicz por um golpe de gratuidade, de complacência e de blefe. Se por acaso o espetáculo é adornado de uma suntuosidade um pouco evidente é que a situação e a História assim exigem: Mankiewicz não faz mais que repartir na sua mise en scène as mises en scène de Júlio César, de Cleópatra e de Otaviano. Nessa ordem de idéia, a entrada da rainha do Egito em Roma é também dramaticamente o ápice da obra. A representação luxuosa não faz esquecer por um instante a intensidade interna da situação; a profusão decorativa não neutraliza a emoção; o rigor arquitetônico de cada plano, longe de alterar a qualidade rítmica do conjunto, garante pelo contrário sua perfeita musicalidade. Enfim, a limpidez do aspecto visual assegurando aqui a desordem da vida e o mistério da criação, é para além de toda especulação de ordem literária que Joseph L. Mankiewicz inventa o cinema mais enigmático.

(Nouvelle Revue Française, abril 1977)


 

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