DE BRUIT ET DE FUREUR, Jean-Claude Brisseau, 1988
por Jean-Claude Guiguet
De bruit et de fureur é uma obra alucinante. De grandeza, de beleza, de força, de emoção. Terminado o festival de Cannes, é preciso saber que esse filme deveria ter sido o orgulho da França em competição. Ele foi recusado em favor de dois filmes de proporções perfeitamente insignificantes em comparação às da obra de Jean-Claude Brisseau. É a desonra do comitê de seleção e de seu presidente: Cannes é considerado exageradamente como o maior festival do mundo; hoje, porém, Dreyer e Mizoguchi seriam rejeitados!
Contar a história desse filme não é a melhor maneira de fazer com que o projetem. Arrancadas da paixão, à fatalidade dos instintos, obras como essa são indispensáveis, como forma de exorcismos, à proteção moral do homem. De bruit et de fureur se situa nessa profundeza, os dois termos antagônicos funcionando aqui à maneira de um ritual onde o sagrado e o profano se fecundam reciprocamente, a fim de estimular a energia vital da obra que funda sua grandeza.
Imaginem um menino que tem como única companhia um canário, como única bagagem a gaiola do pássaro. Ele chega ao filme como se desembarcasse de uma galáxia distante. O mundo que o acolhe é um inferno. É o nosso, com sua paisagem suburbana e seus corolários: marginalidade, violência, delinqüência, miséria. No universo dessa criança, uma única saída de emergência voa sobre as estrelas: aquela do sonho. A passagem do real ao onírico se produz sem choques, com a maior naturalidade do mundo: no final do corredor, uma porta à direita entreabre-se sobre uma cena clareada por um feixe oblíquo à Girodet, do qual a fonte luminosa permanece misteriosa.
Essa cena define por ela mesma a unidade orgânica quase celular do filme. Nenhuma bricolagem intervém na sua elaboração, eliminando assim a noção simplista e redutora de fantasia. A mise en scène em Brisseau privilegia a transparência absoluta, a garantia mais segura do mistério. Tudo aqui - iluminação, enquadramento, direção de atores, movimentos de câmera, escolhas de rostos e de corpos - participa de um rigor e de uma intransigência absolutas. Nessa limpidez, o céu e o inferno se contemplam. Eles se refletem como em um espelho fascinante.
A vertigem nasce de uma percepção radical e decisiva do mundo fora da norma, da regra, da lei. Sem coação, sem amparo, livre enfim, o olhar do cineasta é liberto da vontade de agradar. Atitude rara nestes tempos em que as carreiras são levadas como que por blefadores de pôquer! Enfim, um realizador que não se bajula nas filmagens. Sua matéria é tão secreta e tão humilde que ela permanece invisível. Nenhum efeito espetacular para seduzir que pusesse em risco o seu tema. Sem querer provar nada, Brisseau não procura nem convencer nem transmitir uma moral; ele mostra. Estamos longe de Laranja Mecânica onde, sob o pretexto de denunciar o horror do mundo, Kubrick se fez cúmplice de sua monstruosidade. O horror aqui é filmado de uma tal maneira que podemos vê-lo sem que sejamos aviltados. O medo frente ao vazio e à morte não nos abate. Pelo contrário, ele provoca uma espécie de embriaguez que torna mais forte e nos ergue para além do nosso destino, tão medíocre e tão derrisório. Desprendido de toda pressão de ordem psicológica, é antes de tudo o mistério do ser que Brisseau consegue com êxito captar na sua complexidade, sua universalidade, sua poesia. Cada um porta em si uma parte indefinível de luz e de sombra, a exemplo do personagem encarnado por um Bruno Cremer magistral: sua inocência na estupidez e monstruosidade o faz um ser sagrado.
Todos os personagens aqui são objetos do mesmo respeito religioso e são vistos com a mesma compreensão, a mesma força amorosa: “Todo homem nasce com instintos que só podem ser controlados não pela vontade, mas por uma graça particular... Ele não é um culpado, não é! Eu os absolvo todos”, escrevia Shakespeare. De bruit et de fureur não opõe jamais os carrascos às vítimas, os destruidores aos destruídos, os que matam e os que são mortos. Aqui os vivos e os agonizantes dividem o mesmo teto. Antes de morrer, o velho homem dirá ao jovem rapaz que soube lhe estender a mão: “Eu estou em ti, tu estás em mim... Nós estamos juntos...” E o que importa a feiúra dos conjuntos residenciais se a compreensão e a ternura ali tomam refúgio? A que serve recusar a escola se uma princesa é a “tia” que espera a criança abandonada no degrau do palácio? Que importa a terra tão escura, o céu tão sombrio, se ainda sobra uma parcela de amor? E o dom das lágrimas.
(Études, junho 1988)
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