BAROCCO, O JARDIM DO SUPLÍCIO, André Téchiné, 1976
por Jean-Claude Guiguet
Quando André Téchiné declara que a personagem encarnada por Isabelle Adjani em Barocco é uma mistura de Branca de Neve e de King Kong ele assinala com habilidade e muita ironia a veia escolhida para este terceiro filme: a do cinema-espetáculo. Lembremo-nos de passagem que Téchiné não dorme sob os louros de Souvenirs d’en France. Não repetir os próprios passos é um mérito louvável do qual ele não deve subestimar a importância. Desde que um cineasta se vê pintado como um autor ele quase sempre se instala na rotina a qual esse status assegura. Barocco em nada se assemelha a Souvenirs d’en France. O realizador não interroga mais hoje os clichês da ficção romanesca os quais ele observava ontem à distância. Ele se instala no coração da ficção que encena. Esta ficção é irrealista, ela se confina à fantasmagoria mas não se aventura jamais para além de um pequeno delírio.
Nessa história de amor e de morte, antes da realidade ou da irrealidade dos personagens e das situações, é a virtuosidade da câmera o que retém a atenção. O desenvolvimento político-policial da intriga importa menos que os traços dos movimentos do aparelho. Atravessando o espaço para fazer a descrição do lugar ou seguindo a trajetória de um ator, esses movimentos de câmera têm uma função precisa: produzir um efeito espetacular. Certas seqüências (a da estação e sobretudo as seqüências finais) são notáveis em know-how e eficiência. Postos em consecução, porém, esses efeitos produzem menos uma plenitude que um vazio. A perfeição do trançado e o traço impecável de cada ponto freiam o elã dinâmico do conjunto. O realizador enfraquece o espetáculo ao tentar primeiro elevá-lo no nível de escritura. Ele privilegia, pois, o plano cinematográfico como unidade de estilo e de trabalho, cada plano tornando-se um espetáculo em si. Fazendo planos tal como Flaubert “faz frases”, Téchiné desfere um golpe fatal à dramaturgia, que não dirige mais o conjunto, mas se evapora fora do quadro. Tem-se a impressão que um escrúpulo de última hora veio censurar o curso narrativo da intriga ao privá-la de uma espontaneidade e de uma leveza evidentemente necessárias à sua expansão. O espetáculo não seria uma função inicial da imagem, independente da dramaturgia, pois é a dramaturgia, e só ela, quem lhe dá a sua razão de ser.
Aqui, a lembrança de diversos filmes hollywoodianos, intermediando a transmissão, cimenta o sistema de representação e nós achamos, é verdade, alguns planos admiráveis, onde o cinema, congelado numa luz lúgubre, atinge uma espécie de fixidez virtual que é, sem dúvida, uma estabilidade de essência. Mas como isso poderia nos apaixonar, se nenhum fluxo ativo ou qualquer energia vem trazer o conjunto desses fragmentos heteróclitos a fazer parte de um conjunto? Lançados a eles mesmos, são a simples ilustração das intenções as quais presidiram à sua eclosão. O sonho do espetáculo que atravessa Hitchcock, Murnau, Lang[1] escamoteia aqui tudo o que - afora as referências e as intenções notáveis - permite à obra existir e durar para além do tempo de consumo imediato.
Nota:
[1] Em O Tigre de Bengala o espetacular nunca é programado. Ele não provém de decisões de estilo, ele nasce da arquitetura interna do filme. Tudo o que se pode dizer é que Lang aceitou as implicações do espetáculo contidas no roteiro. Ele não procurou nem delas fugir nem transformá-las num desfile.
(Nouvelle Revue Française, abril 1977)
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