JOHN FLYNN: OUT FOR ACTION
por Harvey F. Chartrand


O veterano diretor John Flynn é conhecido por filmes de ação tensos, econômicos e bem escritos. Ele é certamente um dos nomes mais subestimados no cinema de ação contemporâneo.

Pupilo de lendas hollywoodianas como Robert Wise e J. Lee Thompson, Flynn aprendeu seu ofício na medida em que observava esses mestres na ativa, antes de assinar o seu primeiro filme como diretor em 1967 - Na Solidão do Desejo (The Sergeant), no qual Rod Steiger deu uma performance angustiada como um sargento linha dura horrorizado com sua atração por outro homem (John Philip Law). Infelizmente esse drama soturno e corajoso ainda não foi lançado em VHS, e muito menos em DVD[1]!

O segundo filme de Flynn, o suspense O Arquivo Secreto (The Jerusalem File, 1972), é igualmente obscuro. Talvez por razões políticas, este thriller exótico sobre um idealista estudante de arqueologia norte-americano (Bruce Davison) que se vê preso na linha de fogo árabe-israelense é raramente exibido na TV. Igualmente não foi lançado em VHS ou DVD, apesar das presenças de atores secundários como Nicol Williamson, Donald Pleasence e Ian Hendry. (Daria Halprin, de Zabriskie Point, também aparece aqui em seu último papel no cinema). Situado na Terra Santa depois da Guerra dos Seis Dias, o filme é uma das poucas produções hollywoodianas a ter sido inteiramente filmadas dentro da cidade e nas proximidades de Jerusalém.

Flynn dirigiria mais 15 filmes, incluindo o tempestuoso A Quadrilha (The Outfit, 1973), elogiado pelo próprio Richard Stark como uma das melhores adaptações de uma de suas “Parker Novels[2]”, e a cruel saga de vingança A Outra Face da Violência (Rolling Thunder, 1977), que impressionou tanto Quentin Tarantino a ponto de fazê-lo nomear sua companhia de distribuição a partir do título (Rolling Thunder Pictures). A Outra Face da Violência está presente também na lista dos 25 filmes favoritos de Tarantino.

Desde 1990, Flynn se mantém ocupado realizando excelentes projetos de baixo-orçamento para a TV a cabo dos Estados Unidos ou para o mercado de filmes direto para vídeo. Seu último filme até o momento é Testemunha Mortal (Protection) de 2001, um drama de relocação de testemunhas com uma reviravolta, estrelando Stephen Baldwin, Peter Gallagher e um elenco de atores de apoio canadenses.

De acordo com o crítico de cinema Matthew Wilder, John Flynn poderia dar aos diretores de neo-noir de hoje em dia seminários com as belezas de uma fala objetiva como um Haikai. A Shock Cinema concorda. Conversamos com John Flynn em maio.

Shock Cinema: Como você começou na indústria cinematográfica?

John Flynn: Eu era assistente de Robert Wise. Ele me contratou para fazer pesquisas em The Robert Capa Story. (Esta cinebiografia planejada do famoso fotógrafo nunca foi filmada. - Ed.) Mais tarde, Bob me deixaria vê-lo trabalhar no set de filmagens. Eu era aprendiz em Homens em Fúria (Odds Against Tomorrow, 1959), supervisor de script em Amor, Sublime Amor (West Side Story, 1961, co-dirigido por Jerome Robbins), e segundo assistente de direção em Talhado Para Campeão e em Dois na Gangorra (Two for the Seesaw, 1962). Algum tempo depois, eu trabalharia como assistente de direção em Fugindo do Inferno. Também era diretor de segunda unidade de J. Lee Thompson em A Senhora e Seus Maridos.

Em 1966, Bob Wise montou uma empresa para produzir filmes de baixo orçamento que outros pudessem dirigir. A primeira propriedade que Bob encontrou foi uma novela de Dennis Murphy aclamada pela crítica, The Sergeant. Bob me pediu para dirigir o filme. Portanto, eu devo minha carreira de diretor a Bob Wise - e a J. Lee Thompson, que me orientou em A Senhora e Seus Maridos, Os Reis do Sol e O Harém das Encrencas.

SC: Comente seu envolvimento em Talhado Para Campeão (Kid Galahad, 1962, de Phil Karlson), um “musical de boxe” estrelado por Elvis Presley, Charles Bronson, Gig Young e Lola Albright.

JF: Esse foi o meu primeiro crédito como assistente de direção. Uma das minhas funções era certificar-se de que Elvis estava feliz, mas era fácil trabalhar com ele, realmente um homem muito doce. Charles Bronson sempre tentava agir como um sujeito durão. Você tinha que se impor diante dele, assim ele recuava. Gig Young foi um sonho, um dos seres humanos mais engraçados que já conheci. Ele sempre vinha com grandes tiradas. Lola Albright era uma mulher muito meiga, bonita, profissional, à beira da meia-idade, aproximando-se do fim de sua carreira, o que acabou sendo.

SC: Você foi assistente de direção em Fugindo do Inferno (The Great Escape, 1963, de John Sturges) - o melhor filme sobre prisioneiros de guerra já feito. O que você aprendeu nos seus sete meses de vínculo com o diretor de filmes de ação John Sturges?

JF: Aprendi a simplicidade. John Sturges foi um dos diretores mais simples que alguém jamais poderia conhecer. Ele sabia exatamente onde colocar as câmeras. Sturges era um cineasta muito eficiente e sem firulas, ainda que estivesse trabalhando sem roteiro durante a metade do tempo. Escritores eram enviados a Munique para reescrever o roteiro a cada duas semanas. Como não tínhamos um roteiro os assistentes de direção tiveram um trabalho infernal, porque tínhamos que chamar todos os atores não sabendo se seriam utilizados ou não.

Era uma época maravilhosa numa Hollywood que não existe mais. A Mirisch Corporation mandou a mesma equipe com que eu trabalhei em Talhado Para Campeão e Dois na Gangorra - todos desde os grips e os diretores de arte aos dublês. Éramos como uma família. É difícil dizer quantas vezes eu andei por aí com Steve McQueen e James Coburn, todos esses caras... James Garner promovia um jogo de pôquer toda semana em sua casa. Também pude conhecer bem o elenco inglês: Donald Pleasence, Richard Attenborough, James Donald, e os alemães também - como Hannes Messemer, que deu uma performance incrivelmente pungente como o comandante alemão. Nós trabalhamos juntos, seis dias por semana por sete meses na Baviera. Fora do set, nós jantávamos e farreávamos juntos.

Fugindo do Inferno foi o filme que fez de Steve McQueen uma grande estrela. Todos esperavam que ele fosse se tornar uma estrela após sua performance em Sete Homens e um Destino (The Magnificent Seven, 1960, de John Sturges). McQueen odiava falas. Ele costumava cortá-las, era famoso por isso. O gênio de McQueen como ator era sua presença - seus olhos, a maneira com que se portava, seu andar. Não há ninguém como McQueen nos filmes de hoje. Vi Steve McQueen tornar-se um ícone de Hollywood. Também vi Charles Bronson roubar Jill Ireland de seu marido, David McCallum (que estava no elenco de Fugindo do Inferno). Lembro-me de Charlie e Jill de mãos dadas em uma festa (promovida pelos McCallums) enquanto David estava sendo o perfeito anfitrião. Foi uma das coisas mais bizarras que eu já vi.

SC: Você foi segundo assistente de direção em Os Reis do Sol (Kings of the Sun, 1963, de J. Lee Thompson), que deve ter sido um set estranho para se trabalhar. Esta é a única grande produção de um estúdio de Hollywood sobre a antiga civilização Maia. Comente o seu envolvimento nesse hiperbólico épico histórico, filmado no México.

JF: Era um roteiro de merda, um roteiro-pipoca. Foi um veículo para Yul Brynner sobre os Maias contra os espanhóis. Ficamos em Chichén Itzá e Merida por algumas semanas e, depois, transferimo-nos para Mazatlán, até terminarmos o trabalho na Cidade do México.

Conheci Richard Basehart nesta filmagem e nos tornamos bons amigos. Ele foi escalado como um alto sacerdote Maia. Richard tinha acabado de regressar aos EUA depois de trabalhar no exterior por muitos anos. A atriz inglesa Shirley Anne Field também esteve nessa, ainda fresca do seu sucesso em Tudo Começou no Sábado (Saturday Night and Sunday Morning, 1960, de Karel Reisz). Deus, ela era sexy! E uma boa atriz, mas Os Reis do Sol era coisa de histórias em quadrinhos.

Havia uma cena em que os espanhóis estão invadindo o território Maia pelo mar, tentando seqüestrar George Chakiris, que interpretou um líder Maia. Nós tínhamos esses caras nesses barcos cenográficos. Vem uma onda poderosa. Os barcos viraram de cabeça para baixo e percebemos que muitos dos extras não sabiam nadar. Eu era um bom nadador e fui capaz de puxar algumas pessoas para a terra. Felizmente, ninguém se afogou.

Eis o que aconteceu. Os figurantes eram todos pobres nativos, que foram pagos U$ 4,00 por dia se pudessem nadar. Se não pudessem nadar, eles eram mantidos em terra e pagos apenas U$ 2,00 por dia. Então naturalmente essas pobres pessoas mentiram. Nós nunca verificamos se eles realmente podiam nadar.

SC: Você trabalhou como assistente de direção na comédia de 1965 O Harém das Encrencas (John Goldfarb, Please Come Home!, de J. Lee Thompson). Esse filme foi arrasado pela crítica há 40 anos atrás, mas agora é considerado um clássico cult da comédia burlesca.

JF: J. Lee Thompson gostou do meu trabalho em Os Reis do Sol. Ele me levou para a Fox para fazer A Senhora e Seus Maridos (What a Way to Go!, 1964), que foi um enorme sucesso. (A Senhora e Seus Maridos é uma comédia de humor negro sobre uma mulher [Shirley MacLaine] que se casa com quatro homens; seus maridos tornam-se incrivelmente ricos e morrem prematuramente, deixando a ela suas fortunas. - Ed.) A Fox queria Lee para dirigir Shirley MacLaine em outro filme imediatamente. Então eles encontraram O Harém das Encrencas, que era um roteiro de William Peter Blatty. Naquela época, antes de O Exorcista, Blatty era conhecido como romancista e roteirista de comédia. Lee me promoveu a assistente de direção em O Harém das Encrencas, algo contra o qual a Fox lutou poderosamente - mas Lee prevaleceu.

Peter Ustinov esteve absolutamente hilário como o Rei Fawz, um xeique árabe que queria vingança contra Notre Dame, porque eles não deixaram seu filho entrar no time de futebol. Por razões relacionadas ao petróleo e à política, o Departamento de Estado forçou Notre Dame a ir para o Oriente Médio para jogar contra “Fawz U.” Ustinov era simplesmente um sujeito adorável, muito engraçado. Ele improvisava o tempo todo. Ele dizia as suas falas, e depois continuava, sempre fazendo a equipe mijar de rir.

O Harém das Encrencas foi um dos grandes passos em falso da história do cinema. Notre Dame figurava com destaque no roteiro, mas ninguém se preocupou em obter autorização da universidade, e eles ameaçaram processar. Isso levou o filme a ter uma publicidade terrível, recebendo um massacre de críticas negativas. Lee e Blatty ficaram perplexos com essa surra de críticas.

Nessa época, eu mostrei a Lee um roteiro que queria dirigir, chamado On the Day of His Death, a partir de um pequeno romance do escritor polonês Marek Hlasko. Era sobre imigrantes em Israel. On the Day of His Death continua a ser uma grande história, ainda gostaria de filmá-la. Marek e eu nos tornamos muito bons amigos. Ele era um escritor brilhante que fez trabalho manual para sobreviver. Estive com ele em Berlim, e ele veio me visitar na Califórnia. Lee me ajudou nesse projeto financiando várias viagens a Israel para que eu pudesse examinar as locações e tocar o projeto adiante. Infelizmente nunca chegou a acontecer. (Hlasko era conhecido como “o James Dean da Polônia”. Apesar do reconhecimento internacional, a bebida e o desespero eram a sua praça. Hlasko se matou com soníferos e álcool em Wiesbaden, Alemanha Ocidental, em 1969. - Ed.)

SC: Como você convenceu Rod Steiger a interpretar um militar homossexual em Na Solidão do Desejo (The Sergeant, 1968)?

JF: Steiger sempre quis trabalhar com esse livro. Simon Oakland também, o ótimo ator que fez o repórter em Quero Viver! (I Want to Live!, 1958, de Robert Wise) e o marinheiro cruel em O Canhoneiro de Yang-Tsé (The Sand Pebbles, 1966, de Robert Wise). Oakland batalhou muito pelo papel em Na Solidão do Desejo, até me disse que o faria de graça. Mas Steiger estava bem cotado na época. Em breve ele ganharia um Oscar por sua performance em No Calor da Noite (In the Heat of the Night, 1967, de Norman Jewison) - ganhou o Oscar enquanto nós estávamos na pós-produção de Na Solidão do Desejo, na verdade. Steiger ganhou o papel principal de Na Solidão do Desejo, mas ele fez o filme por muito pouco dinheiro.

Steiger era um grande ator, porém um homem terrivelmente triste e solitário. Quando nós estávamos filmando em locação na França ele me convidava para irmos almoçar, todos os dias. Ele não queria comer no set, então íamos a um restaurante no campo, a cerca de 25 km. a leste de Paris, não tão distante do set. Steiger só queria alguém para conversar. Eu saí para jantar com ele e Claire Bloom uma noite em 1967 enquanto filmávamos Na Solidão do Desejo, e era visível que havia tensão entre eles. Pouco tempo depois, eles haviam se divorciado.

SC: No começo dos anos setenta, você passou sete meses em Israel preparando e filmando o suspense O Arquivo Secreto (The Jerusalem File, 1972). Qual a sua lembrança mais vívida dessa rodagem na Terra Santa?

JF: Eu conheci o escritor Troy Kennedy Martin (Um Golpe à Italiana, Os Guerreiros Pilantras) e nos tornamos amigos. Ele reescreveu um mau roteiro chamado The Jerusalem File, tornando-o muito bom. Eu aceitei dirigir o filme, porque amei o material e essa era uma chance de voltar a Israel por alguns meses. Fiquei no American Colony Hotel a leste de Jerusalém, refinando ainda mais o roteiro enquanto esperava que o dinheiro da produção chegasse. Todos os jornalistas estrangeiros reuniam-se no bar do hotel. Então eu ficava lá nessa caverna, como eles a chamavam, com todos esses senhores da imprensa, inteirando-me do que de fato estava acontecendo em Israel.

SC: O ator Ian Hendry (no filme um general israelita) estava em seu melhor comportamento?

JF: Eu nunca vi Ian Hendry sóbrio, mas ele de alguma forma conseguia funcionar. Ele começava com algumas doses pela manhã, mas isso não parecia afetá-lo. Ele dizia suas falas com clareza. Hendry foi um perfeito alcoólatra funcional quando eu trabalhei com ele. Nicol Williamson (que interpretou um arqueólogo) também era um homem feroz. Bebia demais. Já bem tarde numa noite, Nicol ficou bastante bêbado e ameaçou jogar Bob Dylan pela varanda de um hotel!

SC: O Arquivo Secreto é um filme muito difícil de ser achado. Por que isso?

JF: O Arquivo Secreto não foi bem nas bilheterias e praticamente desapareceu. Não acho que tenha sido lançando nem em VHS. Provavelmente está num depósito na MGM esperando por uma conversão para DVD.

SC: Roger Ebert descreve A Quadrilha (The Outfit, 1973) como “um filme de ação de classe, muito bem dirigido e atuado”. Como você é capaz de criar ambientes tão convincentes de submundo em seus filmes de crime?

JF: Sempre fui fascinado pelo submundo do crime. Eu sou um grande fã dos romances do personagem Parker escritos por Donald E. Westlake, que os escrevia sob o pseudônimo Richard Stark. Tínhamos um grande elenco de filme B em A Quadrilha (Elisha Cook, Jr., Richard Jaeckel, Marie Windsor, Timothy Carey e Jane Greer), mas ao contrário de certas informações, em momento algum este filme seria um film noir ambientado nos anos 1940. Robert Duvall realmente acertou com o personagem de Parker (renomeado Earl Macklin para A Quadrilha). Parker é um técnico de assaltos a mãos armadas que não está para brincadeiras. Duvall foi mais como o personagem do livro do que Mel Gibson em O Troco.

Tenho muito orgulho de A Quadrilha. Donald Westlake disse a mim que amava o filme, apesar de nós termos precisado mudar o final. (O chefe do estúdio MGM) James Aubrey queria que nós o fizéssemos mais otimista. Mas Westlake me disse que A Quadrilha era um dos seus favoritos dentre os filmes baseados em suas histórias.

SC: Em diversas entrevistas, o cineasta superstar Quentin Tarantino elogiou A Outra Face da Violência (Rolling Thunder), um poderoso drama de vingança - agora considerado um clássico thriller. Como os críticos e o público responderam a A Outra Face da Violência durante o lançamento em 1977?

JF: Nós quase fomos assassinados no pré-lançamento de A Outra Face da Violência em San Jose! As pessoas ficaram chocadas pela violência extrema, especialmente com a cena em que uma mão é moída num triturador de lixo.

O roteiro de Paul Schrader foi re-trabalhado por um escritor muito bom - Heywood Gould. Naquela época, esperava-se que William Devane viesse a se tornar uma grande estrela do cinema. Ele é um ator maravilhoso, mas nunca se tornou uma estrela. Tommy Lee Jones estava sensacional neste filme. A Outra Face da Violência foi seu filme de descoberta. Linda Haynes esteve extraordinária. Hoje em dia, ela é uma assessora jurídica na Flórida. Eu a vi quando estava lá rodando Scam em 93.

Filmamos A Outra Face da Violência em San Antonio, Texas, em 31 dias. Sabíamos que estávamos fazendo algo razoavelmente forte. O produtor, Lawrence Gordon, disse-me para filmar a cena do triturador de lixo como se fosse uma cirurgia cardíaca, deixá-la tão sangrenta quanto conseguisse. E foi assim que a fiz. Quando submetemos A Outra Face da Violência à MPAA (Motion Picture Association of America) para uma classificação, esperávamos cortes significativos, mas os censores deixaram intacto um dos filmes mais violentos da história do cinema. A Outra Face da Violência recebeu uma classificação R[3]!

A Fox queria cortar toda a violência do filme e lançar A Outra Face da Violência nos cinemas da 42nd Street[4], então Larry Gordon levou o filme a Sam Arkoff da American International Pictures. Arkoff comprou o filme da Fox e o lançou quase intacto. Ele fez apenas um pequeno corte na cena do triturador.

SC: Em 1980, você migrou para a televisão, co-dirigindo o filme para TV Os Amores de Marilyn (Marilyn: The Untold Story). Richard Basehart teve uma performance incrível como o agente Johnny Hyde.

JF: Conheci Richard em Os Reis do Sol. Nós ainda éramos amigos. Eu o escolhi porque o achava um grande ator. O problema é que Richard tinha dificuldade de lembrar suas falas. Neste ponto de sua carreira, ele estava envelhecendo e se recuperava de um derrame! Então eu tinha que extrair o que podia das cenas com ele. Richard sempre estava preparado e sempre maravilhoso, mas ele já era um homem de idade à época, e eu tinha que levar isso em consideração.

SC: Por que você co-dirigiu esse filme para TV com Jack Arnold e seu produtor Lawrence Schiller?

JF: Eu me desliguei mais ou menos a dois terços do andamento, porque Schiller continuava interferindo com a produção, mudando meus ajustes de câmera, mexendo com o figurino. Schiller é um sujeito muito inteligente, mas acabou me enlouquecendo com sua constante interferência, ao ponto em que um dia eu literalmente coloquei minhas mãos ao redor do seu pescoço. Então eu larguei o projeto e Schiller trouxe Jack Arnold para finalizar o filme. Eu filmei todas as seqüências com Richard Basehart, Catherine Hicks e John Ireland, que esteve formidável como o diretor John Huston.

Eu escalei o elenco do filme muito cuidadosamente. Sheree North esteve notável como a mãe louca de Marilyn. Jocelyn Brando (a irmã de Marlon) teve um pequeno papel como a avó de Marilyn, e ela obteve o máximo do papel. Catherine Hicks estava bem, mas ela era uma espécie de imitação de Marilyn Monroe. Eu implorei para que Bonnie Bedelia fizesse o papel de Marilyn, mas ela recusou. Bonnie era uma grande atriz e um absoluto nocaute na época. Eu achava que Bonnie teria sido brilhante como Marilyn. Até mesmo Schiller concordou em escolhê-la para o papel, mas ela não queria fazê-lo.

SC: Souls: Liderança Desafiada (Defiance, 1980) foi filmado majoritariamente em East Village em Nova York, numa época em que as gangues de rua de fato controlavam aquela área da Lower Manhattan. Esses bandidos interromperam as filmagens em Alphabet City enquanto você estava em locação?

JF: Na verdade, nós tivemos problemas com as gangues. Estávamos filmando apenas por uma semana em Nova York. Membros de gangues porto-riquenhas jogavam merda sobre nós de telhados. Alguém atirou no pára-brisa de um dos nossos carros de filmagem. Os tiras nos ajudavam a esvaziar as ruas, mas eles não se arriscariam nos telhados à noite para expulsar as gangues - pelo menos não para uma companhia de cinema. Então, nós contratamos um clube local de caratê para nos proteger! Eles também eram jovens membros de gangues. Nós colocamos uma dúzia deles lá nos telhados com walkie-talkies e não tivemos mais problemas.

SC: Como você conseguiu extrair um desempenho tão bom do ator artífice Jan-Michael Vincent?

JF: Não foi fácil. Jan já bebia naquela época. Ele tomava Heinekens de café da manhã. Houve uma cena noturna em que tivemos que literalmente apoiá-lo. Pobre Jan. Ele se grudou em Danny Aiello. Jan amava Danny e tentou dar-lhe mais de suas próprias falas no filme. Eu disse a Jan que ele não podia mexer com o script desta forma. Mas Jan era um sujeito doce. Ele nunca acreditou que era um ator, porém. Envergonhava-se de ser ator. Sempre achava que estava fazendo um trabalho horrível e que as pessoas estavam rindo dele. Você tinha que continuar dizendo que ele era maravilhoso e ele então faria tudo o que você queria que ele fizesse. Jan era como um menino, mas ele simplesmente não acreditava em si mesmo. Fala-se sobre os egos dos atores. Ele era o oposto. Era um ator com um não-ego.

SC: A Marca da Corrupção (Best Seller, 1987) é um dos grandes thrillers dos anos 1980. Larry Cohen realmente baseou o seu roteiro em Todos os Homens do Presidente, com James Woods como Garganta Profunda?

JF: Não, isso é um absurdo. Não há conexão com o Watergate. Eu reescrevi o roteiro. O Writers Guild adjudicou contra mim e eu não recebi nenhum crédito, pois eles decidiram que eu não havia escrito pelo menos 51% do script. Depois que Larry Cohen e eu superamos esse conflito, nós nos tornamos bons amigos e ele me enviou outros scripts ao longo dos anos.

A história original se chamava Hard Cover. Mudamos o título para Best Seller na pós-produção, pois Hard Cover não testou bem com o público da preview. Então, uma mulher processou a todos nós - eu, Larry Cohen, James Woods e o produtor Carter DeHaven. Essa mulher alegou que havíamos roubado o enredo de um livro que ela escreveu, chamado Best Seller. Provamos que este não poderia ser o caso, pois Larry Cohen havia enviado um tratamento à Columbia antes dos direitos autorais do livro serem registrados. É incrível, porém, porque havia semelhanças entre os enredos. O livro dela era sobre um assassino que escreve um bestseller que incrimina as pessoas que o contrataram. No fim das contas essa senhora não queria dinheiro. Ela optou por um contrato de três filmes com a Hemdale Films. (risos)

SC: Você então dirigiu três estrelas de ação em alguns de seus melhores filmes: Sly Stallone em Condenação Brutal (Lock Up, 1989), Steven Seagal em Fúria Mortal, e Stephen Baldwin em O Sentido do Medo (Absence of the Good, 1999) e em Testemunha Mortal. Parafraseando um crítico que admira seu trabalho, “você se destaca em fazer filmes violentos que sabem onde querem ir e deslumbram na eficiência e no entusiasmo com que chegam lá.” Como você chegou ao seu estilo econômico e depurado de direção?

JF: Eu gostaria de agradecer ao crítico pelo comentário. Eu apenas tenho um estilo justo de filmar. Sou muito impressionado pelo trabalho de Clint Eastwood como diretor, especialmente os seus filmes mais recentes como Menina de Ouro (Million Dollar Baby, 2004). Eu também admiro o trabalho de Jean-Pierre Melville. O Samurai (Le samouraï, 1967) é um dos meus filmes favoritos. Eu o vi muitas vezes.

Condenação Brutal é uma lição estranha na forma como os filmes de Hollywood são feitos. Stallone teve uma “janela”, o que significa que ele estava disponível por um determinado intervalo de tempo. Larry Gordon tinha um script terrível que se passava numa prisão. Stallone telefona para James Woods e pergunta se eu presto como diretor. Woods diz que sim, ele é um bom diretor e você deve trabalhar com ele. Então temos um diretor e uma estrela, mas nenhum script. Tudo o que temos é um tema - um cara fugindo da prisão.

Então, nós contratamos Jeb Stuart, que era na época um dos roteiristas mais quentes em Hollywood, para reescrever o roteiro, e saímos à procura de locações de prisão. Agora nós temos uma estrela, um tema, uma data de filmagem, um orçamento, um estúdio, mas ainda nenhum roteiro. Então, todos voltamos a Nova York e nos instalamos em um hotel onde Larry “tortura” Jeb e Henry Rosenbaum para escrever um script em tempo recorde.

Enquanto isso, viajo por aí procurando prisões. Nós finalmente encontramos uma em Rahway, New Jersey. Jeb e Henry estavam escrevendo o script enquanto fazíamos o filme. Novas páginas chegavam todos os dias. Houve um dia em que eu estava no terceiro nível de um pavilhão na Penitenciária Rahway sem nada para filmar. Eu tinha a minha estrela de cinema, todos esses extras e uma excelente locação - e as páginas estavam a caminho. Então nós nos sentamos por lá e papeamos com os prisioneiros.

Stallone é um cara esperto e um ator muito subestimado. Se eu precisasse de uma fala melhor, ele aparecia com uma. Stallone é um trabalhador muito empenhado. Eu não tive nenhum problema de qualquer tipo com ele.

SC: Conte-nos sobre Fúria Mortal (Out for Justice, 1991), uma saga vigorosa e delirantemente violenta sobre um policial vingativo do Brooklyn (Steven Seagal), rodado em locações nas ruas pobres do Brooklyn. Fúria Mortal contém algumas das melhores performances das carreiras de William Forsythe como um gângster demente e do falecido Jerry Orbach como o chefe preocupado de Seagal.

JF: Steven era uma comodidade. Naquela época, todos os seus filmes custavam U$ 20 milhões e faziam algo em torno de U$ 40 milhões nos EUA. O título original de Fúria Mortal era The Price of Our Blood (O Preço do Nosso Sangue. - n.d.t.), significando o sangue da máfia. Esse foi o título que Steven e eu queríamos, mas a Warner Bros. disse não. Tinha que ser um título de três palavras, como os outros filmes de Steven Seagal (Above the Law [Nico - Acima da Lei, 1988, de Andrew Davis] e Marked for Death [Marcado Para a Morte, 1990, de Dwight H. Little]). Fúria Mortal foi o número um nas bilheterias por duas semanas consecutivas e acabou rendendo U$ 40 milhões de dólares no doméstico e U$ 100 milhões no mundo inteiro, que é o que seus filmes sempre rendiam naqueles dias.

Os filmes de Steven são enormes sucessos em DVD. Os maiores resíduos que recebo, de longe, são os de Fúria Mortal, portanto ainda está fazendo dinheiro 14 anos depois. Acho que é um bom filme. Eu realmente gostei de trabalhar com Bill Forsythe e Jerry Orbach e todos aqueles caras no carro que interpretavam os assassinos. Mas eu não me dei bem com Steven. Ele sempre estava cerca de uma hora atrasado para o trabalho e causou uma série de atrasos.

Filmamos até 31 de outubro de 1990, porque houve uma ameaça de greve do IATSE. (IATSE significa International Alliance of Theatrical Stage Employes, Moving Picture Technicians, Artists and Allied Crafts [Aliança Internacional dos Empregados do Palco Teatral, Técnicos Cinematográficos, Artistas e Técnicos Aliados]. - Ed.) A Warner Bros. nos disse que tínhamos que estar em um avião até 1º de novembro. Filmamos por cerca de um mês no Brooklyn. O resto de Fúria Mortal foi rodado em torno do sul de Los Angeles. Nós filmamos aquelas cenas na rua Lacy, em uma área miserável de antigos edifícios de madeira que podia passar por Brooklyn.

SC: Em Horas Violentas (Nails, 1992), Dennis Hopper interpreta Harry ‘Nails’ Niles, um policial que faz Dirty Harry parecer um fracote ao quebrar todas as regras para ir atrás de uma gangue de traficantes de drogas. Horas Violentas foi descrito como “um passeio de alta voltagem pelo inferno do começo ao fim.”

JF: Aquele filme foi tão bom para Dennis, pois ele é um homem selvagem pessoalmente! (risos) Nails era um homem violento e bizarro, e Dennis esteve perfeito nesse papel. Anne Archer esteve ótima como a linda, inteligente e sofredora ex-esposa de Hopper. Horas Violentas era uma produção original da Showtime nos Estados Unidos mas foi lançado nos cinemas na Europa, onde Hopper ainda era uma grande estrela.

SC: Você escalou um elenco impressionante para Scam - Programa Assassino (Scam, 1993): Christopher Walken como um vigarista com motivações misteriosas e Lorraine Bracco como uma sedutora profissional. Este drama criminal fascinante sobre relacionamentos de amor/ódio, intrigas e batalhas intelectuais foi um dos seus projetos mais incomuns ou pessoais?

JF: Não, foi apenas mais uma tarefa. Os executivos da Showtime gostaram tanto de Horas Violentas que imediatamente me ofereceram Scam. Nós filmamos a maior parte na Jamaica. Foi um privilégio trabalhar com Chris Walken. Que ator encantador ele é. Miguel Ferrer e Martin Donovan também são talentos de primeira, mas Lorraine Bracco estava clinicamente deprimida na época, tendo problemas com seu namorado, Edward James Olmos, e seu ex-marido Harvey Keitel. Então, Lorraine não estava no melhor de sua forma em Scam.

SC: Brainscan - Jogo Mortal (Brainscan, 1994) é o primeiro filme mainstream sobre realidade virtual e um dos melhores filmes de horror produzidos nos anos 90. Foi estrelado por Edward Furlong como um adolescente problemático controlado por um ser sobrenatural e Frank Langella como um detetive policial empático.

JF: Frank Langella é um príncipe de um homem e um ator maravilhoso. Ele realmente acertou o personagem. Frank pegou o que era um papel rotineiro de policial e trouxe verdadeira profundidade ao personagem. Ele interpretou contra o estereótipo do policial durão, atuou muito gentil e suavemente, mas havia um subtexto de aço. Seu Detetive Hayden tinha uma preocupação muito humana pelo menino, mas ele iria encontrar a verdade. Se isso significasse a destruição desse menino, que assim fosse.

SC: Qual abordagem você decidiu que seria a melhor a assumir neste filme, sua primeira incursão no gênero do horror?

JF: Abordei como se fosse uma tarefa como qualquer outra. O roteiro de Brainscan era de Andrew Kevin Walker - um pouco antes dele se tornar famoso com Se7en. Walker havia pesquisado meticulosamente toda a cena da realidade virtual.

Meu principal interesse era o personagem do Trickster (uma entidade cadavérica a la Alice Cooper que se materializa a partir de um jogo de computador de CD-ROM - Ed.). O Trickster era o núcleo do filme e o que me atraiu ao script. Encontramos esse ator de teatro (T. Smith Ryder) para interpretar o Trickster, e ele foi extraordinário. Eddie Furlong era um garoto de 15 anos que não sabia atuar. Você tinha que “acordá-lo aos tapas” todas as manhãs. Eu não quero chegar a falar mal de pessoas, mas eu não fui um grande fã de Eddie Furlong.

SC: O Sentido do Medo é um filme lançado direto para o vídeo, superior à média, sobre um policial deprimido à caça de um serial killer.

JF: O personagem de Stephen Baldwin está devastado, porque seu filho está morto e sua esposa é suicida. O sujeito está concentrando seu pesar em uma perseguição obsessiva a um assassino bizarro. O Sentido do Medo é todo sobre família. É sobre o dano que pode ser feito a uma pessoa pela sua família. A caçada do detetive pelo assassino é uma história paralela sobre um homem que perdeu seu filho e chega perto de perder a sua vida e a sua própria família. É quase uma história de detetive genealógica, na forma como Ross Macdonald costumava escrevê-las. Estou muito satisfeito com como este filme ficou. O Sentido do Medo foi bem no vídeo e também foi lançado nos cinemas na Europa.

SC: Você não dirigiu um filme desde Testemunha Mortal (Protection) em 2001 - outra produção direta para o vídeo. Você se aposentou do cinema?

JF: Eu passo muito tempo na França e por isso em breve devo dirigir um drama policial processual passado em Paris. Será no espírito de O Samurai. Será o meu tributo ao cinema de Jean-Pierre Melville.

Notas:

[1] O filme foi lançado em DVD pela Warner Home Video em 2009 [n.d.t.].

[2] Trata-se da personagem principal de uma série de novelas assinadas por Richard Stark, cujo perfil se afasta dos usuais heróis e anti-heróis da literatura, sendo descrito em sua personalidade como uma espécie de não-herói. Ele não é nenhum tipo de marginal encantador nem tampouco se esquiva graciosamente das autoridades fazendo-as de tolas. Ao contrário, um homem rude e comum que faz de tudo para conseguir o que deseja. Made in U.S.A. (1966, de Jean-Luc Godard), À Queima-Roupa (Point Blank, 1967, de John Boorman) e Mise à sac (1967, de Alain Cavalier) são alguns dos filmes baseados nas novelas de Stark [n.d.t.].

[3] Classificação restrita, indicando a presença de pais ou responsáveis em relação a menores de 17 anos [n.d.t.].

[4] A 42nd Street era a principal rua do tráfico de drogas, da prostituição, dos shows de sexo e dos cabarés de sua época. Uma espécie de Broadway da escória, aonde também se concentrava grande parte dos cinemas baratos que exibiam filmes B [n.d.t.].

© 2005 Harvey F. Chartrand

(Shock Cinema nº 29, outono 2005, pp. 26-29+46. Traduzido por Bruno Andrade, Felipe Medeiros, Matheus Cartaxo Domingues e Thiago Lima)


 

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