UMA RUA SEM VOLTA

por Jacques Vallée

 

(Street of No Return/Sans espoir de retour/Rua Sem Regresso). 1989. Thunder Films International/France 3 Cinéma/Animatógrafo (93 minutos). Produção: Jacques Bral. Produção executiva: Jacques-Eric Strauss, Patrick Delauneux, António da Cunha Telles. Roteiro: Jacques Bral e Samuel Fuller, baseado na novela Sans espoir de retour, de David Goodis. Fotografia: Pierre-William Glenn (Fujicolor). Música: Karl-Heinz Schäfer. Cenografia: Geoffroy Larcher. Montagem: Jacques Bral, Samuel Fuller, Anna Ruiz, Jean Dubreuil. Elenco: Keith Carradine (Michael), Valentina Vargas (Celia), Bill Duke (tenente Borel), Andréa Ferréol (Rhoda), Bernard Fresson (Morin), Marc de Jonge (Eddie), Rebecca Potok (Bertha), Jacques Martial (Gerard), Sérgio Godinho (Pernoy), António Rosário (Meathead), Dominique Hulin (Dablin), Gordon Heath (indigente negro), Joe Abdo (indigente branco), Trevor Stephens (Lambert), Filipe Ferrer (Gauvreau), Jeremy Boultbee (médico), Guilherme Filipe (patrulha), Pedro Nunes (patrulha), Christa Lang (enfermeira), Samantha Fuller (jovem fã), Joaquim Miranda (policial), Norton de Matos (policial), Samuel Fuller (comissário de polícia).

 

Entre aparições em obras de bestas de festivais (Wenders, Gitaï), retorno às suas imagens do campo de concentração de Falkenau ou ainda a realização de um polar com Véronique Jeannot e Victor Lanoux (Ladrões do Amanhecer), o fim de carreira de Samuel Fuller foi bastante folclórico. A incerteza quanto ao valor do último filme do autor de Anjo do Mal era portanto total. Trata-se de um romance pós-apocalíptico de David Goodis co-produzido pela FR3. Material bastante ordinário, portanto. Isto pouco importa, pois é na série B que a grandeza de Fuller se manifesta. Seu estilo ultrajante pode tornar as convenções mais evidentes, os defeitos de script mais flagrantes em sublimes paroxismos. Fuller não trabalha contra o material, ele não procura segui-lo à risca mas sim acolhê-lo.

 

Aqui a história é particularmente abracadabrantesca, mas uma vez a premissa implausível aceita pelo espectador, este pode desfrutar das peripécias sempre mais estarrecedoras. Detalhe essencial: esta escalada narrativa não acontece em detrimento do personagem. Reencontramos a mesma moral individualista do seminal Anjo do Mal, em que o amor salva da podridão ambiente. Há com freqüência um lado melodramático nos polares de Fuller, uma ausência total de cinismo para com os personagens, uma fidelidade quanto aos sentimentos deles, apesar da - ou graças à, talvez o segredo de Fuller - exacerbação caricatural dos códigos do gênero.

 

A pintura do inferno urbano é ainda mais exagerada que em A Lei dos Marginais. A estética em geral é muito ancorada na época da filmagem, os anos 80, com cores berrantes e simpáticas canções de Keith Carradine (o ator-cantor interpreta um rockstar). A narração e a decupagem zombam das transições, encontramos o estilo febril e nervoso de Fuller. A violência é mais explícita do que nos anos 50, mas é filmada de maneira notável. A mise en scène é às vezes aproximativa (a procura pelo barco) e ela não faz de Uma Rua Sem Volta um filme tão belo quanto as obras-primas hollywoodianas do grande Sam, mas o filme é suficientemente singular para merecer uma visão.

 

(originalmente publicado no blog Avis sur des films [em http://films.nonutc.fr/?p=192], mantido pelo próprio autor)


 

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