MORTOS QUE CAMINHAM

por Louis Skorecki

 

Corpos em trabalho, à beira da síncope. Mortos Que Caminham é a ocasião rara de se ver como a guerra metamorfoseia o corpo. Corpos dos personagens, corpos dos atores, corpos de fantasmas. Aqui, por uma vez, exibe-se a morte em trabalho, a morte real. Sem perversão exibicionista, por uma vez, um corpo de ator sofre ao vivo o mesmo destino que o do personagem que ele interpreta. Não falharam, sem dúvida abusivamente, em responsabilizar os métodos de trabalho de Samuel Fuller pela morte brutal de Jeff Chandler, pouco antes do término das filmagens, coincidindo com a morte real do personagem que interpreta, um personagem « maior que a vida », que se expõe à aniquilação para salvar os seus homens.

Rever Mortos Que Caminham, no momento em que se celebram o antimilitarismo panteísta (Além da Linha Vermelha) e a denunciação dolby (O Resgate do Soldado Ryan), é experimentar em tempo real um dos mais belos filmes de guerra hollywoodianos, um dos mais violentos, um dos mais líricos. Fuller coloca no filme todo o seu furor, toda a sua raiva da guerra. Transfusão de tanto sucesso que quando ele realizou em 1980, quase vinte anos depois, Agonia e Glória, a autobiografia-ficção que ele rebocou consigo após o fim da guerra de 39-45, o filme saiu como que apagado, carbonizado, liofilizado. Mortos levou tudo, absorveu tudo, consumiu tudo. Esse filme curto (82 minutos, como resistir por mais tempo?) deve tanto a Walsh quanto a Ford, mesmo que apenas pelas luzes frias de William Clothier, operador-chefe da extravagância viril que dirigiu tão bem o campo de operações de Marcha de Heróis quanto o de Um Clarim ao Longe. Ao mesmo tempo, é o filme mais pessoal de Samuel Fuller, ainda estropiado dos estigmas de três dos seus filmes de guerra precedentes, Capacete de Aço e Baionetas Caladas (1951), Proibido (1958), e como que coberto de um senso agudo do derrisório, o de Renegando o Meu Sangue (1957). No momento em que o cinema começa a mimetizar o cinema, Fuller encontra do lado do real o senso do barroco e da epopéia, daquilo que ainda é chamado, na falta de melhor palavra, « o cinema ».

(Libération, 1° de dezembro de 2000)


 

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