CASA DE BAMBU

por Louis Skorecki

 

Samuel Fuller sempre foi atraído pelo Oriente. Para este pequeno judeu de Massachusetts, é uma das três forças que literalmente o apaixonaram durante a sua vida, as outras duas sendo o jornalismo (aos 12 anos ele literalmente imerge nele) e a guerra (que detesta com uma verdadeira paixão amorosa). É ademais a guerra que lhe permite, com Capacete de Aço (1951), dar livre curso à sua fascinação pelo Oriente. Nessa obra-prima de juventude, paroxística e barroca, um Buda tem nas mãos um bocal de transfusão de sangue, à imagem do anti-racismo universalista e fraternal que inspirou sempre os afrescos fullerianos.

Casa de Bambu (1955) é talvez o mais belo dos filmes « orientais » de Fuller, apesar dos cumes de No Umbral da China (1957, com o maravilhoso crooning de Nat King Cole, meio século antes de Amor à Flor da Pele), O Quimono Escarlate (1959) ou ainda Mortos Que Caminham (1962). É uma pintura refinada de um Japão do qual as gueixas não são menos místicas, em suas próprias maneiras, que os templos taoístas. Casa de Bambu narra também a fascinação de Fuller pela traição viril, forma exacerbada da homossexualidade guerreira e épica da qual é o representante mais extravagante. Seis anos antes, em Fúria Sanguinária, a partir de um roteiro vizinho (um tira disfarçado de malfeitor, Edmond O’Brien, trai o gângster James Cagney de quem ganhou a confiança), Walsh não é jamais ambíguo, simplesmente porque o amor entre homens não o interessa. Em Casa de Bambu, ao contrário, é uma verdadeira amizade amorosa que une num único e mesmo plano o gângster Robert Ryan e o tira Robert Stack, com um lirismo que será em breve sufocado sob os maneirismos obrigatórios da época. O Outro, para Fuller, é o desconhecido, o oriental, o traidor, o comunista, o homossexual. É também a casa de bambu com divisórias de papel que se rasgam sob a influência de paixões por muito tempo reprimidas. Daney dizia que Fuller, como Barnett ou Griffith, era o cineasta « do quê se vive e se decide no instante ». Nada mal.

(Libération, 27 de março de 2001)


 

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