NO LIMIAR DA LIBERDADE, Joseph
Losey, 1970 por Matheus Cartaxo Domingues Landscapes of Resistance Vigésimo
primeiro filme de Joseph Losey, Figures
in a Landscape (1970) tem no argumento uma objetividade já inscrita no
título, à qual se atribui o valor de sonho de muitos diretores devido às
possibilidades de experimentações e do contato direto do espectador com a
matéria do filme: dois homens são perseguidos e caçados por um helicóptero na
impressionante paisagem montanhosa de um país não especificado. Não sabemos
quem são os dois fugitivos, o porquê de fugirem, quem os persegue. A natureza
insólita do inimigo, porém, é conhecida nas primeiras seqüências do filme: o
helicóptero no horizonte, aproximando-se do sol, este que surge como um
grande aliado dos perseguidores, expondo suas presas, tornando-as alvos
fáceis. O sol evidencia a ação de corpos que se digladiam incessantemente. Só
temos acesso direto a um tempo: o tempo presente, do confronto, da
resistência dos fugitivos em não desaparecerem e de não serem tragados por um
fluxo de imagens impiedoso, implacável, à semelhança do objeto aterrorizador
que os persegue. Figures in a Landscape se
relaciona com outros filmes fora da filmografia de Losey: Os Pássaros, de Alfred Hitchcock e Encurralado, de Steven Spielberg. Ao
comparar os três filmes, notamos uma espécie de evolução do instrumento de
perseguição aos personagens: da natureza ao próprio homem. No Losey e no
Spielberg, os personagens se opõem à ameaça mais incisivamente, talvez por
logo perceberem que os perseguidores são figuras humanas cobertas por
armaduras de aço. Daí a “facilidade” em reagir com a mesma agressividade e
violência que visualizam no seu agressor, pois eles já o conhecem. É uma
ameaça mais concreta - e menos misteriosa - que a de Os Pássaros, filme aterrador no qual os personagens interrompem a
tentativa de resistência por não saberem como reagir, contra-atacar, às
centenas de pássaros negros, uma força incontrolável. Assim, são massacrados,
dissolvidos; tornam-se fantasmas. Os maiores
momentos de Figures in a Landscape,
no entanto, são aqueles nos quais os personagens, em conversas
despretensiosas, resquícios de intimidade, narram trechos da vida que levavam
antes do filme. Um travelling em plano-seqüência acompanha-os enquanto caminham,
sentam para fumar e retomam o passo. Deixar marcas na tela é uma estratégia
de combate, forma de assegurar seu espaço, seu tempo: suas presenças são
salvas. Figures in a Landscape: « landscapes
of resistance ». João
Bénard da Costa escreveu sobre a conclusão de Tabu de Murnau: “quando a corda é cortada, tudo se torna de uma
lentidão imensa, enquanto o barco se afasta e Matahi se afunda nas águas,
nadando, nadando sempre, como se esse movimento já sem razão fosse a última
razão possível”. Palavras semelhantes podem ser aplicadas à maneira que
termina este Losey. Na franqueza da sua abordagem, o diretor aponta como
última possibilidade de resistência a morte. E esta parece ser a tal ordem
das coisas, das presenças, do mundo. |
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