RENEGANDO O MEU SANGUE

por Jacques Lourcelles

 

(Run of the Arrow). 1957. RKO (86 minutos). Produção: Samuel Fuller para a Globe Enterprises. Roteiro: Samuel Fuller. Fotografia: Joseph Biroc (RKO-Scope, Technicolor). Música: Victor Young. Cenografia: Albert S. D’Agostino, Jack Okey (a.d.), Bert Granger (s.d.). Montagem: Gene Fowler Jr. Elenco: Rod Steiger (soldado O’Meara), Sarita Montiel (Yellow Moccasin), Brian Keith (capitão Clark), Ralph Meeker (tenente Driscoll), Jay C. Flippen (Walking Coyote), Charles Bronson (Blue Buffalo), Olive Carey (sra. O’Meara), H. M. Wynant (Crazy Wolf), Neyle Morrow (tenente Stockwell), Frank DeKova (Red Cloud), Coronel Tim McCoy (general Allen), Stuart Randall (Coronel Taylor), Frank Warner (tocador de banjo à ponte), Billy Miller (Silent Tongue), Chuck Hayward (cabo responsável pela sela), Chuck Roberson (sargento que se afoga na areia movediça).

 

Mais ainda que os seus outros filmes, os quatro westerns de Fuller constituem uma fabulosa saga da diferença, da raiva de si e dos outros e do impossível desejo de mudar de pele. Em Matei Jesse James, Bob Ford, por amar demais Jesse James, mata-o e aquiesce para o resto de sua vida ao uniforme de traidor. Em O Barão Aventureiro, James Addison Reavis, para satisfazer seu orgulho imenso e seu patriotismo louco, rouba e se apropria de um Estado inteiro. Em Dragões da Violência uma mulher, descontente do mais profundo de si mesma de sua feminilidade e sentindo também que a ordem que irá se instalar irá lhe varrer inexoravelmente, torna-se a condutora de quarenta assassinos que ela conduz a toda velocidade rumo à destruição e à morte. Em Renegando o Meu Sangue, um soldado desencantado, vencido e cheio de raiva contra o seu país e sua raça quer se transformar em outro, quer se tornar um Sioux. Renegando o Meu Sangue, o mais aprimorado dos filmes de Fuller, é também o mais fundamentalmente barroco. A decupagem oferece uma colisão contínua entre planos muito diferentes na sua duração e suas escalas (ver a antológica seqüência de abertura, antes e durante os créditos). A progressão sabiamente caótica da narrativa encadeia sem transição cenas de diálogo e de debate e cenas de ação e violência. Um máximo de tensão barroca é obtido do fato de que a narrativa é em primeira pessoa (como em vários filmes de Fuller) e que ao mesmo tempo essa subjetividade dilacerada, esfacelada se encontra situada num contexto histórico factualmente verídico, objetivo e minuciosamente reconstruído. Em Fuller, a verdade de uma época brota da descrição interior dos personagens que têm mais a sofrer nessa época. E a serenidade - porque finalmente Renegando o Meu Sangue desemboca sobre uma certa serenidade - emana de uma evocação sem compromisso dos extremos. Para Fuller, somente esse conhecimento dos extremos poderá favorecer a emergência de um eventual humanismo. Será necessário que seu personagem vá até o fim do seu impasse para poder abrir os olhos sobre si mesmo. No que concerne sua forma, tudo em Renegando o Meu Sangue é de uma genial perfeição no excesso: a escritura e a mise en scène, tão integradas uma à outra (Fuller escreve como metteur en scène e filma como escritor); o Technicolor de Joseph Biroc, em alguns momentos rutilante e esmerado, em outros brando e sereno; a interpretação de Rod Steiger da qual o estilo “Actor’s Studio”, excêntrico e pungente, exprime à maravilha o impossível desejo de alteridade do personagem. Renegando o Meu Sangue, desde as suas primeiras imagens, é tão abundante de expressividade e sinceridade que é difícil, quando o descobrimos, não experimentar o sentimento de que se vê o mais belo filme do mundo.

 

Nota: o filme oferece a rara particularidade de ter sido produzido pela RKO (ao fim de sua existência) e depois distribuído pela Universal. Sarita Montiel foi dublada por Angie Dickinson. A cartela final do filme porta essas palavras: “The end of this story can only be written by you” (O fim dessa história só pode ser escrito por você).

 

(Dictionnaire du cinéma: Les Films, Paris: Laffont, 1992, pp. 809-811)


 

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