PAIXÕES QUE ALUCINAM

por Jacques Lourcelles

 

(Shock Corridor). 1963. F & F Productions (101 minutos). Produção: Samuel Fuller. Produção executiva: Leon Fromkess, Sam Firks. Roteiro: Samuel Fuller. Fotografia: Stanley Cortez (P/B), Samuel Fuller (CinemaScope não desanamorfisado e em cores). Música: Paul Dunlap. Cenografia: Eugène Lourié (a.d.), Charles S. Thompson (s.d.). Montagem: Jerome Thoms. Elenco: Peter Breck (Johnny Barrett), Constance Towers (Cathy), Gene Evans (Boden), James Best (Stuart), Hari Rhodes (Trent), Larry Tucker (Pagliacci), Paul Dubov (dr. J. L. Menkin), Chuck Roberson (Wilkes), Neyle Morrow (psicótico), John Matthews (dr. L. G. Cristo), Bill Zuckert (‘Swanee’ Swanson), John Craig (Lloyd), Philip Ahn (dr. Fong), Frank Gerstle (tenente Kane), Rachel Romen (ninfomaníaca que canta), Linda Randolph (professora de dança), Marie Devereux (ninfomaníaca), Chuck Hicks (auxiliar de enfermagem).

 

Um filme-soma que recapitula o essencial dos temas fullerianos: o jornalismo, a loucura e sobretudo essa tentação infernal de mudar de identidade e de destino que experimentam os mais torturados heróis do autor. Às vezes, como aqui, essa mudança de identidade não é mais que um meio utilizado visando a um certo fim. Em Casa de Bambu, um policial se infiltra entre gângsteres para acumular provas contra eles e se torna, moralmente falando, um igual. O sulista vencido de Renegando o Meu Sangue quer a todo custo se tornar um Índio para escapar de uma nação que execra. Aqui, um jornalista são de corpo e de espírito (mas sua ambição devastadora já não era uma forma de loucura?) penetra entre os loucos para escrever um artigo fabuloso e se torna um deles. Em todos esses personagens, essa traição àquilo que possuem de mais fundamental (suas identidades), essa transgressão suprema não terá como não se retornar contra eles: aqui esse retorno será particularmente cruel e espetacular. As insuficiências do orçamento, a atuação rudimentar de certos atores tornaram a intriga mais esquemática, mais onírica ainda do que ela sem dúvida teria sido no papel e no espírito de Fuller. Mas, neste pesadelo ultra-significante que estigmatiza através de diferentes figuras de loucos diversas taras da América, o estilo, os efeitos e o barroquismo fulleriano aparecem e saltam aos olhos numa nudez e numa originalidade impressionantes. Neste grande barroco que é Fuller a idéia, a imagem, o efeito vão direto ao ponto, numa velocidade fulgurante e através da verossimilhança. A pobreza de meios que freqüentemente assolou suas produções não fez mais que, no geral, acelerar essa velocidade.

 

Nota: as seqüências de alucinações em cores e em CinemaScope não desanamorfizado são constituídas de planos de Casa de Bambu e Tigrero (filme não realizado de Fuller, iniciado no Brasil em 1954).

 

Bibliografia: roteiro e diálogos in “L’Avant-Scène” nº 54 (1965). Uma novelização do filme foi escrita por Michael Avallone. Ela apareceu por Belmonte, Nova York, 1963, e foi traduzida na “Série noire” nº 1.028, 1966, e posteriormente na coleção “Carré noir”, Gallimard, 1980.

 

(Dictionnaire du cinéma: Les Films, Paris: Laffont, 1992, pp. 1369-1370)


 

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