AGONIA E GLÓRIA
por Inácio Araujo
Agonia e
Glória traz relato autobiografado “O cinema
é um campo de batalha”, disse uma vez Samuel Fuller, que entende muito bem
das duas coisas. Como cineasta, é um dos realizadores mais inventivos de sua
geração, a do imediato pós-guerra. Antes disso, porém, foi soldado durante a
Segunda Guerra Mundial e, nessa experiência, buscou o material de vários
filmes de guerra, em particular deste Agonia e Glória, relato em
grande parte autobiográfico, que resumiu com uma máxima: “Na guerra, o único
heroísmo é sobreviver”. Quando foi
lançado Agonia e
Glória é um dos maiores filmes de guerra já feitos. Não vem ao caso
compará-lo com outros filmes notáveis, mas, como na maior parte dos Fuller,
tomá-lo naquilo que se distancia de seus similares. Em primeiro lugar, seu
deslocamento em relação à indústria: no início dos anos Nesse sentido,
o Vietnã não servia de amostra: era o exemplo mesmo de guerra sem
sustentação. O combate ao nazismo, ao contrário, sempre foi moralmente
admirado. Daí, os filmes de guerra que o precederam possuírem um aspecto um
tanto abstrato. É nisso
que Agonia e Glória busca sua distinção. Trata-se de um filme físico,
sem lugar para o Estado Maior e, portanto, grandes linhas estratégicas. A
maior patente que se vê em cena é um sargento (Lee Marvin) da 1ª Divisão de
Infantaria do Exército americano (conhecida como “The Big Red One”). Ao seu
lado, um destacamento de jovens mal saídos da adolescência e já às voltas com
situações onde todo o horror descrito em, digamos, Apocalypse Now, de
Francis Ford Coppola, pode enfim ser visto e experimentado. Não é o
primeiro filme em que se trabalha com esse tipo de sensação. É, porém, o mais
radical. Fuller mostra-se refratário a tudo o que, numa guerra, é motivação,
para atirar seus personagens na selvageria do fronte, onde pouca diferença
faz ser aliado ou nazista. Essa dureza
não inspira qualquer piedade: mesmo esse tipo de noção é abstraído numa
narrativa em que as situações de combate se sucedem praticamente sem parada.
Não confundir com tantos filmes que fazem da sucessão interminável de eventos
o seu “marketing”. Em Agonia e Glória, a sucessão confunde-se com
certa monotonia. Essa
monotonia, ainda que pontuada pelo risco perpétuo da morte ou de mutilações,
instala-se na tela como uma espécie de maldição. A guerra evolui. Sabemos em
que estágio ela se encontra. Mas os episódios protagonizados pelos soldados
da 1ª Divisão de Infantaria não obedecem a qualquer espécie de crescendo.
Idéias correntes - apogeu, perigeu e quetais - parecem descartadas. Se na
guerra cada momento é diferente de outro, pelos riscos e desafios específicos
que propõe, Fuller mostra que eles tendem paradoxalmente à indiferenciação,
pelos mesmos motivos. Só se morre uma vez. E toda a questão é sobreviver. Essa opção
pelo monótono é tão clara que, quando nossos heróis chegam ao grande momento
(a descoberta dos campos de concentração), topam com câmaras de gás tão
reluzentes quanto vazias. A guerra de Fuller remete diretamente ao Quixote: a
cada combate, segue-se o vazio. Ao combate final, segue-se o vazio completo,
a ausência de sentido, a percepção do desnível abismal entre ação e
finalidade. Não terá
sido esta a primeira vez que Fuller interpelou a vida de maneira tão
violenta. O “nonsense” atravessa seus filmes sob a forma do cinismo (O
Barão Aventureiro), da loucura (Shock Corridor), do desespero (O
Beijo Amargo) e por aí afora. Mas foi a primeira vez que o cineasta se
colocou ostensivamente dentro de um de seus filmes. Ele é o soldado
representado por Robert Carradine, que, como o diretor, se caracteriza pelo
hábito de portar enormes charutos na boca, em tempo mais ou menos integral. É
possível acusar Agonia e Glória de tudo, menos de ser um filme
impessoal. (Folha de São Paulo, 4 de outubro de 1990) |
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