AGONIA E GLÓRIA

por Inácio Araujo

 

(The Big Red One). 1980. Lorimar Productions (113 minutos). Produção: Gene Corman. Roteiro: Samuel Fuller. Fotografia: Adam Greenberg (Metrocolor e P/B). Música: Dana Kaproff. Cenografia: Peter Jamison. Montagem: Morton Tubor. Elenco: Lee Marvin (o Sargento), Mark Hamill (soldado Griff, 1º batalhão), Robert Carradine (soldado Zab, 1º batalhão), Bobby Di Cicco (soldado Vinci, 1º batalhão), Kelly Ward (soldado Johnson, 1º batalhão), Stéphane Audran (combatente da resistência no hospício), Siegfried Rauch (Schroeder - sargento alemão), Serge Marquand (Rensonnet), Charles Macaulay (general/capitão), Alain Doutey (sargento Broban), Maurice Marsac (coronel), Colin Gilbert (prisioneiro de guerra), Joseph Clark (soldado Shep), Ken Campbell (soldado Lemchek), Doug Werner (Switolski), Perry Lang (soldado Kaiser, 1º batalhão), Howard Delman (soldado Smitty), Marthe Villalonga (madame Marbaise), Giovanna Galletti (mulher na vila Siciliana), Gregori Buimistre (soldado alemão assassinado pelo Sargento na 1ª Guerra Mundial), Shimon Barr (enfermeiro alemão no hospital tunisiano), Matteo Zoffoli (Matteo), Abraham Ronai (marechal alemão), Galit Rotman (grávida), Guy Marchand (capitão Chapier).

 

Um filme sobre o absurdo da guerra

 

Em Agonia e Glória, Samuel Fuller acompanha a guerra de um ponto de vista particular: lá, a única vitória possível é sobreviver. Não se trata, portanto, da guerra abstrata dos políticos, nem do confronto estratégico, entre generais. São soldados, cabos, quando muito sargentos: pequenos personagens - anônimos do ponto de vista da História - envolvidos em um angustiante corpo a corpo com a morte, empenhados no gesto elementar de puxar um gatilho e matar o desconhecido a sua frente, pelo único (e sólido) motivo de que, caso contrário, ele é quem será morto.

 

Lembremos um dos episódios narrados: os americanos atacam forças francesas na África. Não se conversa, se atira: só depois da batalha, os dois lados podem constatar que não eram adversários e que, comando à parte, os franceses também eram aliados. O filme alinhava uma série de seus episódios, através de um grupo de soldados liderados por um sargento (Lee Marvin). Entre estes, um rapaz que se alistou apenas pela curiosidade de recolher material para um romance. O rapaz vive com um charuto na boca, ou seja, é a representação do próprio cineasta, ele mesmo soldado durante a 2ª Guerra.

 

Existem, no filme, estes dois movimentos que se complementam: o da narração e o da sobrevivência. Contar (ter alguma coisa a contar) é o mesmo que sobreviver: é embrenhar-se por toda sujeira e por toda beleza da alma humana, buscar o movimento tortuoso que faz, afinal de contas, a vida; investigar como um jornalista (Fuller foi jornalista), mas nunca fazer da investigação um ato separado da própria existência; nunca ficar à margem dos acontecimentos.

 

Não por acaso, Fuller interessa-se escassamente pelo cinema de Hitchcock, o homem à margem da vida - e em contrapartida tem verdadeira paixão por Fritz Lang. Menos fino do que seu mestre alemão, sobra a Fuller esta vontade de esclarecer o lado obscuro do humano. E o faz, sintomaticamente, através de planos extasiantes, quase sempre longos, onde todos os lados de um acontecimento, de um ser, serão colocados em jogo: nada fica de fora.

 

Agonia e Glória é não só melhor filme de guerra feito por Samuel Fuller, como um dos mais penetrantes filmes sobre a guerra já feitos. Quando lançado, no começo do ano passado, não mereceu publicidade maior. Ficou uma semana em cartaz (e olhe lá) e foi retirado. É a norma, num país onde a exibição de filmes obedece a critérios arcaicos, para dizer o mínimo. Resta, como consolo, a oportunidade que nos dá agora o Cinesesc, de rever sua terrível beleza.

 

Este apanhado, fragmentário, evita sequer mencionar o trabalho de linguagem do diretor. Sua audácia é conhecida dos cinéfilos. Fica apenas a lembrança da comparação que Fuller fez em um filme de Godard (Pierrot le fou): o cinema é como a guerra; é, também ele, uma guerra. Fala por si esclarecedora da identidade entre fundo e forma que se verá em Agonia e Glória.

 

(Folha de São Paulo, 16 de fevereiro de 1984)


 

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